por Nathan Buzzatto
Antes de mais nada, esta não é
uma provocação, mas algo que conheci de perto.
Tendo crescido em um lar batista
fundamentalista, devo dizer que sou profundamente grato a Deus por ter pais
cristãos, que se importaram em me ensinar a sã doutrina em casa e me ensinarem
sobre a importância da igreja e de Cristo na vida quotidiana. Foi como batista
que tive a minha formação como pessoa e como batista que fui estudar teologia,
uma graduação, dois mestrados e muitas experiências que jamais poderia deixar
de lado.
Entretanto, foi exatamente depois
disto, dos estudos, dos mestrados onde as coisas começaram a decantar. Há uma
fase complicada na vida de todo seminarista: muitas leituras, muitos conceitos,
muita matéria e saímos de lá com a cabeça repleta de técnica, muita ortodoxia,
pouca ortopraxia (a prática no viver diário de tudo o que se aprende). Esta era
a fase de aprender a colocar tudo o que foi visto em termos de ações práticas.
Como todo bom teólogo de tradição
reformada, somos ensinados a avaliar tudo, todas as práticas e pensamentos
dentro de nossas igrejas. Não as aceitar apenas pela conveniência, mas
questionar tudo o que não fosse absolutamente bíblico. Foi então aí, e hoje
entendo, por mão divina, que não me inspirei em seguir um outro mestrado ou
pleitear um doutorado, mas apenas me recolher a meditar sobre tudo.
Não houve um ponto
particularmente especial que me trouxe até o luteranismo, mas por agora me
detenho sobre este: A Espiritualidade.
Por este termo entendemos todo o
nosso viver perante todas as ações da vida e como isto se reflete em nosso
relacionamento com o corpo de Cristo.
O problema, na verdade, caminha
em datas: em 1647, promulga-se os catecismos de Westminster, que em parte,
contribuiriam para a formação das primeiras confissões de fé batistas. No
catecismo maior de Westminster lê-se:
1. Qual é o fim supremo e principal do homem? Resposta. O fim supremo e principal do homem e glorificar a Deus e gozá-lo para sempre.
Não é uma má resposta, mas disto
surgiu uma discussão relevante: Como o homem então pode glorificar a Deus? Esta
era uma discussão relevante, pois dela dependia o entendimento da primeira
questão do catecismo. Esta questão, em termos práticos foi resolvida de uma
forma que mais tarde, em 1689 os batistas colocariam em seu texto sob o ponto 6:
Reconhecemos que há algumas circunstâncias, concernentes à adoração a Deus e ao governo da igreja, que são peculiares às sociedades e costumes humanos, e que devem ser ordenadas pela luz da natureza e pela prudência cristã, segundo as normas gerais da Palavra que sempre devem ser observadas.
Eis aí o começo da problemática.
O texto parece muito bom, faz até sentido se comparado ao ensino de 1 Cor. 11; entretanto,
neste ponto encontra-se o problema. Para que o homem cumpra seu fim de
glorificar a Deus, além dos ditames Bíblicos para agravar as consciências e nos
deixar o que deve e o que não deve ser feito, também se admite como regra para
o fim de que o homem possa glorificar, as listas de regras sobre a prudência.
Evidente que prudência e
moralidade são coisas desejáveis ao cristão, e quanto a isto não cabe
questionar, mas o ponto onde esbarramos é que toda vez então que os
comportamentos sociais fujam a estas listas de comportamentos prudentes e morais,
o homem não é apenas descuidado ou de pouca reflexão, mas um perigo para si
mesmo e para a igreja por não glorificar a Deus com seus atos, mesmo sobre
coisas nas quais não há menção Bíblica.
A espiritualidade passa a ser
sinônimo de um viver prudente segundo os ditames sociais da igreja. Por prudência,
neste caso, voltamos à regra: o cristão deve seguir regras específicas, não apenas
o que está nas Escrituras, mas o que socialmente a igreja considerar como
adequado.
Desta forma, decide a igreja, por
exemplo que o consumo de álcool em qualquer circunstância é pecado, mesmo que
não haja nada sobre este ponto nas Escrituras a não ser prevenindo o abuso da
substância. Entretanto, o chocolate, igualmente nocivo à saúde permanece liberado
irrestritamente. Não se trata aqui de querer ou não consumir bebida alcóolica,
mas de onde vem a autoridade para a comunidade dizer o que é a vontade de Deus
se ela não está escrita. De forma semelhante, o Credo Apostólico, usado por
toda a cristandade como uma declaração de fé é rejeitado, não pelas suas
afirmações, mas pela “prudência cristã” em não se assemelhar aos que praticam
orações repetitivas. A igreja assim decidira que não convém, isto vale como regra,
quem a viola, peca!
O que fazer então com este pecador?
Dele espera-se a autodisciplina, mas se não houver, a comunidade espera que o
seu pastor o faça! Note-se que aqui não estamos falando apenas do viver
espiritual, mas do viver quotidiano sobre questões pessoais, como o gosto por
esportes (há os que condenem esportes de contato como brechas para o diabo),
vida em família, educação dos filhos, etc...
Artes marciais, em algumas
igrejas, é pecado (e sim, sempre fui muito condenado por isto, Deus abomina
violência, logo eu pecava e ainda levava outros a pecarem), recitar o Credo
como um resumo de sua fé em Deus, é pecado, não educar os filhos numa escola
confessional, pecado! Um cristão que toque músicas não-cristãs, peca! (embora
nada seja dito do professor que ensina não cristãos sem entrar no mérito da
religião com seus respectivos alunos). Note-se que sobre estas coisas, não há
nenhuma disposição bíblica. Estes regulamentos são da comunidade dos membros,
qualquer novo membro, é convidado a aceitar as regras da casa.
Este problema sobre as listas da
prudência cristã (que por si só já se contrapõem à liberdade cristã à qual
fomos chamados, e este princípio, sim, é bíblico) desemboca em outro problema:
O que fazer com o membro que peca?
Como dito, espera-se a moralidade
segundo os padrões das escrituras somados aos padrões comunitários, se o membro
não o fizer, espera-se do pastor que tome uma atitude. Com isto, atribuímos aos
pastores não apenas a responsabilidade sobre o crescimento espiritual segundo
as Escrituras, mas transformamos qualquer questão social em algo espiritual.
Surge então outra figura: o
aconselhamento pastoral. Este é muito presente na vida de qualquer cristão
nesta linha! A função do aconselhamento é ajudar o processo de crescimento
espiritual, fazer sugestões positivas, colocar “disciplinas espirituais” de
oração, jejuns, meditações diárias, cobrar frequência nos cultos, etc.
Quanto a isto, então esbarramos
em duas questões: em primeiro lugar, as comunidades locais passam a definir
comportamentos tidos como aceitáveis ou não, muitas vezes até contraditórios de
local para local, tendo com isto o mesmo peso de uma condenação divina expressa
nas escrituras. Este ponto é difícil de digerir, até porque, creio na doutrina
que chamamos SOLA SCRIPTURA, onde afirmamos tudo aquilo que está revelado nas
Escrituras como verdadeiro, e, sobre o que não está escrito, também devemos nos
calar. Não podemos criar pecados!
Em segundo lugar, a função do pastor não é de ser um conselheiro para a vida
pessoal, embora isto não seja um problema se ele for amigo, mas esta não a
vocação ministerial das Escrituras. Não existem ministros chamados por Deus ao
santo ministério para ditar qual profissão você pode aceitar! Aconselhamento é
bom, mas a função do pastor está em Mateus 18: "Digo-lhes a verdade: Tudo
o que vocês ligarem na terra terá sido ligado no céu, e tudo o que vocês
desligarem na terra terá sido desligado no céu. Mateus 18.18
Sendo Bíblico na questão, o verso de destina aos apóstolos, e aos que exercem o
ministério na igreja de Cristo: ligar e desligar, o ofício das chaves.
No meio batista então temos o
caso de um irmão em problemas, uma visita é agendada, seja na casa ou no
gabinete pastoral o problema é exposto, o sujeito sai dali com bons conselhos
para a vida pratica, uma lista de deveres: orar, jejuar, mais sessões de
aconselhamento, enfim, estas possibilidades são várias. Se o problema for de
uma seriedade maior, uma regra de disciplina é dada, uma punição que deverá
durar até que a liderança ache que já foi tempo o suficiente.
No meio luterano então, o irmão
em problemas fala com o pastor no horário combinado, o problema é exposto, o
pastor então anunciará algumas coisas: primeiro, a Lei. Ela é anunciada para
que o homem tenha noção do seu pecado, arrependido, o segundo anúncio é feito:
o Evangelho: Deus compreende a limitação humana e está disposto a perdoar, e
terceiro: a Absolvição. Sim, por Cristo, com Cristo e em Cristo, o ministro
cumpre seu dever bíblico de Mateus 18, Não há listas de prudência cristã a
serem passadas, não há disciplinas de ficar um tempo afastado como punição, a
preocupação maior é com a alma deste necessitado, e ele sai desta conversa
ciente de estar perdoado por Deus. Os conselhos depois disso, são absolutamente
secundários.
Em um caso, temos um pecador
arrependido que sai com conselhos para melhorar sua vida com Deus, no outro,
temos um pecador arrependido que sai perdoado. Nisto temos outro ponto que nos
apegamos: SOLA GRATIA! Somente pela graça de Deus é que somos salvos! Quando o
perdão bíblico é anunciado, o pecador então recebe de modo bíblico a sua graça!
Quando as regras sobre o que fazer são passadas, estas regras não terão o poder
de apagar o pecado, mas com elas, espera-se que a pessoa se aproxime de Deus
novamente, para que então, ela receba o perdão.
Então já não é pela graça, mas
pelas obras! Se eu preciso cumprir as regras extra bíblicas dadas no
aconselhamento para que eu tenha o perdão dos pecados, então, estaria crendo
que as obras são capazes de justificar um pecador, quando o pensamento bíblico
é sempre: Pois vocês são salvos pela graça, por meio da fé, e isto não vem de
vocês, é dom de Deus; não por obras, para que ninguém se glorie. Efésios 2.8,9
Sobre o ponto da espiritualidade
diária, então o que é bíblico? A comunidade pode estabelecer os pecados, ou
apenas Deus em sua palavra? É mais bíblico que prevaleça a liberdade cristã e o
pastor se ocupe de cuidar de minha alma, ou, que para não escandalizar os
demais, o pastor seja uma autoridade até para minhas decisões pessoais de como
viver e trabalhar?
Aconselhamento apenas, ou ter os pecados perdoados? O que é Bíblico afinal?
Muito bom o texto. Uma reflexão bem pertinente. Parabéns
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