março 09, 2018

O Teólogo Fiel


Por: Carl Ferdinand Wilhelm Walther¹

Quando se pede a um teólogo que ceda e faça concessões para que a paz possa finalmente ser estabelecida na Igreja, mas ele se nega a fazê-lo até mesmo em um só ponto de doutrina, tal ação se dirige à razão humana como obstinação intolerável, sim, como verdadeira maldade. Essa é a razão pela qual estes teólogos são amados e elogiados por poucos homens durante sua vida. A maioria dos homens preferem injuriá-los como perturbadores da paz, sim, como destruidores do reino de Deus. São considerados como homens dignos de desprezo. Mas, ao final, se faz evidente que esta tenacidade decidida e inexorável ao apegar-se ao ensinamento puro da Palavra divina de nenhuma maneira destrói a Igreja; pelo contrário, é justamente isso o que, em meio das maiores dissensões, edifica a Igreja e, em última instância, produz uma paz genuína. Portanto,

Tentem imaginar o que teria acontecido se Atanásio tivesse feito uma pequena concessão na doutrina da divindade de Cristo. Ele poderia ter feito um compromisso com os arianos e tranquilizado sua consciência; porque os arianos declaravam que eles também criam que Cristo era Deus, mas não desde a eternidade. Disseram: ἦν ὅτε οὐκ ἦν (houve um tempo em que Ele não existia), isto é, [Cristo] havia se convertido em Deus. Mas acrescentaram: "No entanto, deve ser adorado, porque Ele é Deus". Inclusive naquele tempo remoto, se Atanásio tivesse cedido, a Igreja teria sido lançada para fora da Rocha sobre a qual está fundamentada, que não é outra senão Jesus Cristo.

Novamente, imagine o que teria sucedido se Agostinho tivesse feito uma pequena concessão na doutrina do livre-arbítrio do homem, ou da total incapacidade do homem para assuntos espirituais. Ele também poderia ter se comprometido com os pelagianos e tranquilizado sua consciência porque os pelagianos declaravam: "Sim, de fato, sem a ajuda da graça de Deus, nenhum homem pode salvar-se". Mas por "graça de Deus" se referiam ao dom divino que é dado a cada homem. Até mesmo naquele tempo, se Agostinho tivesse cedido, a Igreja teria perdido o núcleo do Evangelho. Não haveria sobrado nada mais que a casca vazia e oca. Sim, a Igreja não teria conservado nada mais que o nome do Evangelho. Porque a doutrina do Evangelho de que o homem é feito justo aos olhos de Deus e salvo por pura Graça de Deus, pelos méritos de Jesus Cristo, é, como todos sabem, a doutrina mais importante, o núcleo e a substância do ensinamento cristão. Onde quer que esta doutrina não seja proclamada, não há Cristo, nem Evangelho, nem salvação; ali os homens perecem, e para tais pessoas a vinda do Filho de Deus ao mundo foi em vão.

Por último, imaginem o que teria acontecido se Lutero tivesse feito uma pequena concessão na doutrina da Santa Ceia. No momento do Colóquio de Marburgo ele poderia ter feito um compromisso com Zwinglio e tranquilizado sua consciência, porque os Zwinglianos disseram: "Nós também cremos em uma certa presença do corpo e sangue de Cristo na Ceia do Senhor, mas não na presença da substância corpórea de Cristo, porque Deus não estabelece coisas tão sublimes e incompreensíveis para que possamos crer". Por esta afirmação, Zwinglio fez do cristianismo em sua totalidade um assunto questionável, e até mesmo Melanchthon, que normalmente estava muito inclinado a fazer concessões, declarou que Zwinglio havia retornado ao paganismo. Se Lutero tivesse cedido, a Igreja teria se convertido em uma presa do racionalismo, que coloca a razão do homem acima da pura e clara Palavra de Deus.

Bendigamos, portando, a todos os campeões fieis que lutaram por todos os pontos da doutrina cristã, sem preocupar-se com o favor dos homens e ignorando suas ameaças. Sua ignomínia, apesar de muitas vezes ter sido grandiosa, não nasceu em vão. Os homens os amaldiçoaram, mas  eles continuaram dando seu testemunho até a morte, e agora usam a coroa da glória e desfrutam a a bem-aventurada comunhão  de Cristo e de todos os anjos e eleitos. Seu trabalho e sua luta feroz não foi em vão; porque até agora, depois de 1500 anos, ou, no caso do último nome, depois de vários séculos, a Igreja está colhendo o que eles semearam.

Nota:

[1] Este texto faz parte da introdução à Segunda Tese sobre a Correta Distinção entre Lei e Evangelho. O texto foi traduzido do blog mencionado abaixo e amparado na tradução da edição completa do livro  "A Correta Distinção entre Lei e Evangelho" de C.F.W. Walther, publicado pela Editora da ULBRA e Editora Concórdia.

Publicado originalmente em http://lutherantheology.com/
Tradução: Denício Godoy.

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