março 29, 2017


A doutrina da justificação pela fé se tornou o carro chefe do protestantismo. De fato, todas as ramificações protestantes afirmam ensinar a doutrina da justificação pela fé, embora possamos sempre notar confusão na apresentação desta doutrina pelos mais diversos teólogos das mais diversas denominações. Muitas vezes essa doutrina termina por ser apenas um meio pelo qual o homem chega à santidade, e é na prática de uma vida santa que o homem poderá cooperar com sua salvação. Esta ideia não é estranha às igrejas da reforma, visto que é uma prática completamente católica romana. Hoje gostaria de apresentar um breve texto que nos expõe, de maneira simples, a doutrina luterana da justificação pela fé e sua finalidade.

O que é justificação?

Para a teologia luterana confessional, o ensino central da Bíblia é a justificação unicamente pela fé, independente das obras da lei (cf. Romanos 3.28). A expressão clássica desta doutrina encontra-se no Artigo IV da Confissão de Augsburgo: 

"Ensina-se também que não podemos alcançar remissão do pecado e justiça diante de Deus por mérito, obra e satisfação nossos, porém que recebemos remissão do pecado e nos tornamos justos diante de Deus pela graça, por causa de Cristo, mediante a fé, quando cremos que Cristo padeceu por nós e que por sua causa os pecados nos são perdoados e nos são dadas justiça e vida eterna. Pois Deus quer considerar e atribuir essa fé como justiça diante de si, conforme diz São Paulo em Romanos 3 e 4."

Os teólogos luteranos freqüentemente falam da justificação como contando com dois aspectos, sendo eles o aspecto objetivo e o aspecto subjetivo. A justificação objetiva é "o veredicto de Deus" de que a culpa adquirida através dos pecados não nos é imputada, por causa da vida, morte e ressurreição de Jesus.

Qual é a base da justificação objetiva?

A base da justificação objetiva consiste no fato de que Jesus redimiu todas as pessoas. João Batista declarou: "Vejam! É o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!" (João 1:29) Esta declaração, que cantamos em nosso Culto Divino no "Agnus Dei", declara que Jesus é a justificação objetiva em pessoa. Paulo também escreveu a Timóteo, dizendo que Jesus "se entregou a si mesmo como resgate por todos"(1 Timóteo 2: 6).

Onde a justificação objetiva é ensinada na Bíblia?

  • 2 Coríntios 5:19 : "Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não lhes imputando os seus pecados" O único antecedente possível de 'seus' nessa sentença é 'o mundo', e o mundo certamente inclui todos os homens".
  • Romanos 4:25 : "O qual por nossos pecados foi entregue, e ressuscitou para nossa justificação." Referir-se às palavras: "e ressuscitou para nossa justificação.", à chamada justificação subjetiva, que se dá pela fé, não só enfraquece a força das palavras, mas também viola o contexto.
  • Romanos 3:22-24 : "Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus;Sendo justificados gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus". A palavra-chave aqui é "todos". Todos pecaram e todos esses pecadores são justificados - não há diferença. Todos pecaram. O verbo "justificados" tem o mesmo sujeito, "todos".
  • Romanos 5:18 : "Assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim também por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens para justificação de vida". Ao ressuscitar [Cristo] dentre os mortos, [Deus] absolveu-O dos nossos pecados que lhe haviam sido imputados, e por isso Ele também nos absolveu Nele, para que a ressurreição de Cristo pudesse ser o caso, a prova e a Justificação. Porque na ressurreição de Cristo somos absolvidos de nossos pecados, para que não possam mais nos condenar diante do juízo de Deus.

As Confissões Luteranas ensinam a Justificação Objetiva?

Embora o termo "justificação objetiva" não apareça nas Confissões Luteranas, o ensino da justificação objetiva pode ser encontrado lá. A Apologia da Confissão de Augsburgo ensina que uma recusa em acreditar que nossos pecados são perdoados por Deus é chamar Deus de mentiroso. "E não sentir à absolvição que outra coisa é senão acysar a Deus de mentira? Se o coração duvida, considera incerto e vão o que Deus promete. Por isso está escrito em 1 João 5.10: Aquele que não dá crédito a Deus, o faz mentiroso, porque não crê no testemunho que Deus dá acerca de seu Filho."(Apologia XII: 62).“Razão por que, se alguém não tem certeza de seu perdão, nega a veracidade do juramento de Deus. impossível imaginar blasfêmia mais horrenda."(Apologia XII: 94) O Catecismo Maior nos ensina que nossos pecados são perdoados antes de nossa aceitação de tal perdão. "Por isso temos, aqui, uma vez mais, grande necessidade de pedir e clamar: "Querido Pai, perdoa-nos as nossas dívidas". Não é que não perdoe o pecado mesmo antes do nosso pedir e sem esse, pois que nos presenteou com o evangelho, no qual outra coisa não há do que perdão, antes que lho houvéssemos pedido ou, alguma vez, pensado nele" (CM, Quinta Petição, 88). A fórmula de concórdia declara: "Que a raça humana verdadeiramente foi redimida e reconciliada com Deus por intermédio de Cristo, o qual, por sua inocente, paixão e morte, mereceu por nós "a justiça que vale diante de Deus" (Rm 1.17; 2Co 5.21) e a vida eterna(FC SD XI: 15). 

Como estão ligadas a Justificação Objetiva e a Justificação Subjetiva?

Justificação objetiva é a base para justificação subjetiva. "Um pré-requisito essencial da justificação pela fé, ou da justificação subjetiva, é a justificação objetiva (a reconciliação) de toda a humanidade". [Pieper II: 508. ] Se Deus não tivesse justificado o mundo inteiro por causa da satisfação vicária de Cristo ou se esta justificação adquirida não nos fosse comunicada, de nada adiantaria. Por outro lado, aqueles que creem no evangelho são justificados subjetivamente. 

Segundo o Pastor luterano, Ron Pederson: "Tanto a justificação objetiva quanto subjetiva precisam ser ensinadas juntas. Se você deixar uma ou outra fora ninguém será salvo. " Sua advertência ecoa a de Carl Mischke,"Pode ser bom lembrar-nos de não dividir a justificação "objetiva" e "subjetiva" como se fossem duas coisas totalmente diferentes que podem ser tratadas isoladamente umas das outras." [9 Ph. D. Burk, Rechtfertigung und Versicherung , p. 41 ]

Quais são os perigos de negar a Justificação Objetiva?

Negar a justificação objetiva pode levar a cair no erro da expiação limitada, que Jesus pagou apenas pelos pecados dos crentes, dos eleitos. George Lillegard afirma que "Nem todos os homens, de fato acreditam neste fato glorioso, portanto, eles não se tornam participantes da justiça que Cristo adquiriu para eles e que Deus lhes dá no evangelho. Mas, não é nada mais do que o calvinismo, negar, como muitos ainda fazem, que Deus, em Cristo, 'reconciliou consigo o mundo' (2 Cor 5:19), que Cristo "é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo", justificando, assim, todos os homens. " [George Lillegard, "Controvérsias doutrinais do Sínodo da Noruega", Grace for Grace , Lutheran Synod Book Company, 1943, p. 149.]

Negar a justificação objetiva pode transformar a fé em um trabalho humano. "Todos aqueles que negam a justificação objetiva (a reconciliação objetiva), se forem consistentes, também negarão que a justificação subjetiva seja provocada pela fé; Eles terão que considerar a fé como um complemento do mérito de Cristo - uma conquista humana ". [Pieper II: 508]

Negar a justificação objetiva torna a fé uma causa de justificação. "Não é estranho que aqueles que enfatizam a fé do homem à custa da validade objetiva do Evangelho de Cristo e de Sua obra de justificação se desviem das doutrinas da Conversão e da Eleição, de modo a dar à fé do homem uma importância totalmente não-bíblica. " [Lillegard, Grace for Grace , p. 151.]

Como podemos ver, é por causa da justificação objetiva que a paz de Deus é um consolo para todos os homens. É no campo da justificação - e não no campo da santificação e experiência cristã - que temos certeza da salvação. De outro modo jamais teríamos certeza de salvação. Como afirmam as nossas confissões, aqueles que ensinam de modo diverso blasfemam contra Deus, ao chamá-lo de mentiroso. 

Obs: Este texto é uma adaptação de um texto escrito pelo pastor luterano, Shawn Stafford.
O artigo original pode ser lido em inglês aqui.

Um comentário:

  1. Muito bom. Espero agora uma segunda parte explicando um pouco mais sobre a justificação subjetiva.

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