março 31, 2017


Compreender a diferença que existe entre a doutrina da justificação e a doutrina da santificação pode ser tão importante quanto entender a diferença entre a salvação e a condenação. Distinguir estas duas doutrinas é de crucial importância. Quando as compreendemos, podemos traçar uma linha e dizer, "Isto salva. Isto não salva."

A justificação é, do início ao fim, uma obra de Deus onde a justiça de Jesus é dada ao pecador, de modo que o pecador é declarado justo por Deus (cf. Romanos 4.3, 5.9; Gálatas 2.16, 3.11). Esta justiça não é conquistada e nem mantida por qualquer esforço daqueles que são salvos. A justificação instantaneamente resulta em vida eterna. Ela é baseada unicamente no sacrifício de nosso Senhor Jesus Cristo na cruz (cf. 1 Pedro 2.24) e é recebida somente pela fé (Efésios 2.8,9). Nenhuma obra é necessária para obter a justificação. Caso contrário, deixaria de ser um dom de Deus (Romanos 6.23). Portanto, somos justificados somente pela fé, independente das obras da Lei (Romanos 3.28; 5.1).

O catolicismo e os reformados compartilham com o luteranismo confessional uma visão monergista do plano da salvação. Somente Deus enviou seu Filho ao mundo (encarnação) e o sacrificou por causa dos pecados do mundo (expiação); Contudo, para o catolicismo e para os reformados, a certeza da salvação individual depende do nível de santidade do cristão. A santificação então exige que o crente coopere com a graça divina para fazer boas obras. No centro deste sistema está uma doutrina estranha da santificação que sustenta que o homem coopera com Deus para a certeza da salvação. Não há lugar para a justificação total da humanidade pecaminosa como uma atividade completa de Deus em Cristo (justificação objetiva). Para eles, o homem coopera com Deus para se tornar santo e assim a santificação confirma a salvação. A diferença entre os católicos e os protestantes que adotam esta visão da doutrina da santificação consiste em que os protestantes se opõem às peregrinações, novenas, penitências e outras práticas católicas. Contudo, concordam com o catolicismo no que diz respeito ao homem cooperar com Deus na sua santificação.

Só Deus justifica, mas a santificação, como pudemos ver, se torna uma atividado divino-humana que, mesmo que Deus tenha a iniciativa, cada crente é obrigado a completar. Neste sistema, o Evangelho, que sozinho cria a fé, é substituido pela Lei que instrui nas exigências morais e adverte contra a imoralidade. A justificação se torna um evento do passado, e o foco atual permanece sobre o homem cooperando com Deus para que o trabalho esteja completo. Assim, o cristianismo se deteriora em um legalismo implícito e eventualmente grosseiro.

Os luteranos confessionais reconhecem que os cristãos, como pecadores que são, nunca estarão imunes às exigências morais da Lei e suas ameaças contra o pecado. Mas no sentido mais estrito, estas advertências não pertencem à santificação cristã. Os crentes vivem em Cristo, e Cristo vive nos crentes. Para o luteranismo, a santificação é obra do Espírito Santo, e consiste em levar as pessoas à salvação, em mantê-las na verdadeira fé e, finalmente, ressuscitá-las dentre os mortos e dar-lhes a vida eterna. 

Creio que por minha própria razão ou força não posso crer em Jesus Cristo, meu Senhor, nem vir a ele. Mas o Espírito Santo me chamou pelo evangelho, iluminou com seus dons, santificou e conservou na verdadeira fé. Assim também chama, congrega, ilumina e santifica toda a cristandade na terra, e em Jesus Cristo a conserva na verdadeira e única fé. Nesta cristandade perdoa a mim e a todos os crentes diária e abundantemente todos os pecados, e no dia derradeiro me ressuscitará a mim e a todos os mortos, e me dará a mim e a todos os crentes em Cristo a Vida Eterna. Isso é certamente verdade.(cf. Catecismo Menor, Art III do Credo Apostólico).

Santificação é o Espírito Santo permeando tudo o que o cristão pensa, diz e faz. A santidade pessoal do cristão é tanto uma atividade monergista do Espírito Santo quanto a sua justificação e conversão. O Espírito, ao criar a fé, não deixa de ser ativo após a conversão.

A Confissão de Augsburgo reconhece aquelas coisas que mantêm a sociedade e o governo em ordem, como boas obras, mas, em sentido estrito, não pertence a santidade pessoal de um cristão e não têm relação necessária com a justificação. Os pagãos podem fazer estas obras da mesma maneira como os cristãos podem. As obras de santificação são, estritamente falando, apenas aquelas que os cristãos podem fazer. Elas encontram sua fonte, conteúdo e forma na oferta de Cristo para os outros, e são dadas aos cristãos pelo Espírito que procede do Pai e do Filho, e que é enviado ao mundo pelo Filho. A santificação, portanto, é um ato Trinitário. Deus habita no crente para realizar a Sua vontade. A petição do Pai Nosso que pede que "a vontade de Deus seja feita" é uma oração para nossa própria santificação.

O Espírito que durante os dias de humilhação ajudou Cristo a fazer o bem aos outros e a se oferecer como sacrifício ao Seu Pai, é o mesmo Espírito que Cristo em Sua morte, ressurreição e ascensão enviou aos seus discípulos. Jesus, ao exigir que amemos a Deus com todo o nosso ser e que amemos os nossos vizinhos mais do que a nós mesmos, não estava nos dando um objetivo impossível para despertar em nós um sentimento mórbido de pecaminosidade. Na verdade, Ele estava descrevendo Sua própria vida e a vida de Seus discípulos, aqueles que que vivem e morrem Nele. Como Cristo, os cristãos confiam somente em Deus e se sacrificam uns pelos outros. A santificação não só define a vida cristã, mas, no primeiro e verdadeiro sentido, define a vida de Cristo. O próprio Jesus amou a Deus com tudo o que Ele era e teve, fazendo de nós os Seu próximo, amando-nos mais do que Ele amou Sua própria vida. A santificação é primeiramente cristológica, isto é, é a própria vida de Cristo em Deus e então nossa vida Nele. Sua vida não seguia um sistema de códigos, um padrão de regulamentos ou uma lista de exigências morais, constrangimentos e restrições. Assim como a vida de Cristo teve a ver com a doação de si, nossa santificação tem a ver com a apresentação de nossos corpos como sacrifícios vivos. Nossa santificação encontra seu ponto de contato mais próximo na vida terrena de Jesus que Se entregou por nós. A dádiva de Cristo de Si mesmo é, por sua vez, uma extensão da doação do Pai por Seu Filho: "Deus amou o mundo de tal maneira que deu o Seu Filho único". O envio do Filho como sacrifício reflete a eterna dádiva do Pai em gerar o Filho. Assim, a doutrina cristã da santificação extrai sua substância da expiação, encarnação e até mesmo do mistério da Santíssima Trindade. Esta doação de Deus e de Cristo toma forma na vida dos crentes e santos, especialmente aqueles que são perseguidos por causa do Evangelho e martirizados.

Nossa santificação é magnificamente monergista. Aquilo que fazemos é apenas um reflexo fraco da vida de Cristo. Na auto-santificação, bons motivos muitas vezes se transformam em desejos maus. As boas obras passam a ser valorizadas como nossa própria justiça. A auto-admiração moral e a auto-absorção ética logo substituem a confiança total em Deus. A vida santificada, na verdade, precisa constantemente confiar na santa vida e morte de Cristo ,ou nossa "santidade" pessoal logo se deteriorará em um legalismo degenerado e moralismo estéril. Por este motivo Deus permite que os cristãos sejam atormentados pelo pecado e carreguem um sentimento de inadequação moral para nos forçar a ver a impossibilidade de uma santidade auto-gerada. Nossa única esperança é olhar somente para Cristo, em quem temos uma perfeita e completa santificação. Como afirma o apóstolo Paulo: "É por iniciativa dEle que vocês estão em Cristo Jesus, o qual se tornou sabedoria de Deus para nós, isto é, justiça, santidade e redenção, para que, como está escrito: "Quem se gloriar, glorie-se no Senhor". (1 Coríntios 1:30,31)

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