setembro 03, 2017


Por John Theodore Mueller

Em resposta à alegação de que a doutrina da inspiração seria uma "construção dogmática" que devesse sua origem aos mais recemtes dogmáticos da Igreja Luterana, apontamos para o fato de que, já nas suas Confissões, a Igreja Luterana afirmava a inspiração plenária da Bíblia. Naquele tempo, essa doutrina não estava em controvérsia, de modo que não havia necessidade urgente para expô-la em detalhes. Sirvam alguns trechos de nossas confissões para demonstrar o conceito em que os seus autores tinham a Bíblia.

Lemos:

"De onde vem aos bispos o direito de impor à Igreja semelhantes tradições? Pois em At. 15.10, Pedro proíbe pôr sobre a cerviz dos discípulos um julgo; e Paulo diz aos coríntios [2 Co 13.10] que o Senhor conferiu autoridade para edificação e não para destruir. Teria, pois, o Espírito Santo admoestado inutilmente com respeito a todas essas coisas? (Confissão de Augsburgo, Art. XXVIII.)

Outrossim:

"Tens, agora, pois, Leitor, a nossa Apologia, da qual não só depreenderás o que julgaram os adversários, ...como também que os mesmos condernaram diversos artigos contrariamente à expressa Escritura do Espírito Santo." .(Apol., |9. triglotta, p.101) 

Bem assim:

"Desta maneira se mantém a distinção entre as Sagradas Escrituras do Antigo e Novo Testamentos e todos os demais escritos, e as Sagradas Escrituras tão só ficam sendo o único juíz, regra e padrão pelos quais, como única pedra de toque, todos os dogmas serão e deverão ser discernidos e julgados a ver se são bons ou maus, corretos ou falsos." (Fórmula de Concórdia, Epítome, |7; triglotta, p.779)

Dessas e de outras muitas declarações em nossas Confissões, torna-se evidente que os seus autores consideravam a Bíblia como Palavra de Deus inspirada e infalível. Disso se depreende que a alegação de que a doutrina da Inspiração verbal e plenária não passe de "teoria artificial dos mais recentes dogmáticos é destituída de qualquer fundamento". Os mais recentes dogmáticos luteranos não ensinaram outra doutrina a respeito das Sagradas Escrituras do que a mantida e defendida nas Confissões Luteranas. Há outra alegação intimamente relacionada com a supracitada. Que o mesmo Lutero não teve a Bíblia por verbal e plenariamente inspirada, mas que, nesse sentido, assumiu a "atitude liberal". Entretanto, a posição de Lutero em face da Bíblia foi justamente oposta de "liberal"; visto que, repetidas vezes, declarou-se preso à Palavra de Deus lavrada na Escritura. Disso dão prova as seguintes afirmações suas:

"As Sagradas Escrituras foram ditas pelo Espírito Santo." (S. L. III, 1895)

Ainda:

"A Bíblia não nasceu na Terra." (VII, 2095) 

Enquanto os principais antagonistas de Lutero, os papistas, afirmavam que as tradições, as decisões dos concílios da Igreja e as decretais dos papas constituíam fontes de fé, Lutero admitiu apenas um padrão - o Lívro de Deus, a Bíblia. Nela "o Espírito Santo nos fala de tal maneira" que mesmo "as coisas triviais" nela são ensinamentos da soberana majestade divina." (S. L., XIV, 2ss) Nela "a boca puríssima do Espírito Santo" para conforto nosso revelou (Gn 28) até mesmo a "história vergonhosa; impudente" de Judá e Tamar. (S. L., II, 1200ss) Também no que respeita às questões históricas e científicas registradas na Escritura, devemos "fazer ao Espírito Santo a honra de admitir que mais douto é do que nós." (S. L., III, 21) Ao Sl 127.3, diz ele que de Deus (divina) não são apenas Palavras (vocabula) mas ainda o fraseado (Phrasis). (S. L., IV, 1960)

Em vista dessas declarações expressas de Lutero, as supostas provas que existiram nos seus escritos em favor de sua "posição liberal" desde logo deixam de ter qualquer sentido. Querem que Lutero tenha ensinado que a Bíblia conteria "feno, palha e restolho", em outras Palavras, verdade e erro. Essa citação é, porém, inexata. Ao empregar tais Palavras, não foi aos escritores da Bíblia que Lutero se referiu, mais aos seus intérpretes. (Kawerau. Theol. Lit. -Ztg., 1895, p.216; cf. também Christl. Dogmatick, Vol. I, p346ss). O que Lutero diz aqui dos intérpretes da Bíblia dos tempos antgos (S. L., XIV, 150) condiz com todos os intérpretes da Bíblia de hoje em dia; pois, muitas vezes, erram na exposição do texto sagrado.

Outrossim, diz-se de Lutero que teria ensinado serem algumas passagens da Escritura "inadequadas". Há, nesse caso, referência em especial a Gl 4.21ss, passagem acerca da qual ele comentou que, num debate com os judeus (contra Iudaeos), que não aceitavam a autoridade apostólica de Paulo, comparada a outras, seria de pouca força num debate (in acie minus valet); ou, de acordo com algumas versões alemãs, seria "zun Stich zu scwach", o que quer dizer: não seriam convincentes. Lutero não pretendeu, contudo, negar, com essa frase, a doutrina da inspiração, porém quis indicar apenas que a alegoria de Paulo, como empregada nessa passagem, não convenceria um judeu incrédulo que não reconhece a autoridade do apóstolo. Isso é exato, especialmente porque Paulo se afasta, em sua interpretação, do sentido literal das Palavras e lhes demonstra o significado alegórico, como Lutero bem faz ver. (cf. S. L., I, 1150)

Além disso, pretende-se que a "posição liberal" de Lutero em face da Escritura transpareça na rigorosa distinção que, no cânon do Novo Testamento, faz entre Homologumena e Antilegomena. Admitimos o fato de haver Lutero feito distinções. (. ex. epístola de Tiago chama de "epístola de palhiça" em comparação com as de Paulo. S. L., XIV, 91) Todavia, ao mesmo tempo, considerava todas as Escrituras profétixcas e apostólicas Palavra de Deus divinamente inspirada. Também nós reconhecemos a distinção entre Homolegumena e Antilegomena. Além disso, diz-se de Lutero que teria admitido com "cânon dentro do cânon", uma vez que haveria limitado a autoridade divina da Bíblia aos livros que ensinassem mais Cristo. Os passos em que se baseiam tais atribuições, encontram-se registrados na Edição de Saint Louis vol. XIV, 129, e vol. XIX, 1441 e rezam: 



"O que não ensina Cristo ainda é apostólico, também quando o tenha ensinado Pedro ou Paulo. Por outra, o que prega Cristo será apostólico, ainda que o façam Judas, Anás, Pilatos ou Herodes." 

E: 



"Se nossos adversários insistem na Escritura, nós insistiremos em Cristo contra a Escritura.

Por estranhas que soem essas declarações, quando fora do seu contexto, tornam-se completamente claras, se consideradas no conjunto. Lutero aqui não entende por Escritura a Bíblia per se, mas como erroneamente interpretada pelos papistas. Isso explica a segunda citação. A primeira se explica pelo fato de Lutero haver aceito aqui por suposição, um caso que, na realidade, jamais poderá suceder, uma vez que nem São Paulo e nem São Pedro nada poderiam escrever e ensinar sem que pregassem Cristo, não importa o que pretendessem ensinar. A insistência de Lutero nesse ponto visava à autoridade de Cristo divino, que a Bíblia ensina, do princípio ao fim, como único Senhor da Igreja (Lc 24.25-27; At 20.43)


Qualquer outro argumento que se tenha apresentado com o intuito de provar a "posição liberal" de Lutero em face das Escrituras Sagradas, enquadra-se na mesma categoria dos supramencionados. No intuito de servir aos seus desígnios daninhos, teólogos modernos falseiam  Lutero nas citações, ou aplicam mal as declarações dele. Apesar disso, não podem refutar as Palavras claras com que Lutero professa a sua devota lealdade à Escritura como o Livro inspiradp do próprio Deus.


Trecho retirado do Livro Dogmática Cristã, páginas 126 e 129, publicado pela Editora Concórdia. 

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