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junho 26, 2019


Ontem a Igreja Luterana celebrou o dia Confissão de Augsburgo. Para nossa devoção utilizaremos três dos quatro primeiros artigos de confissão. Usaremos a Confissão de Augsburgo inalterada para a nossa leitura.

Artigo 1: DE DEUS

Em primeiro lugar, ensina-se e mantém-se, unanimemente, de acordo com o decreto do Concílio de Nicéia, que há uma só essência divina, que é chamada Deus e verdadeiramente é Deus. E todavia há três pessoas nesta única essência divina, igualmente poderosas, igualmente eternas, Deus Pai, Deus Filho, Deus Espírito Santo, todas três uma única essência divina, eterna, indivisa, infinita, de incomensurável poder, sabedoria e bondade, um só criador e conservador de todas as coisas visíveis e invisíveis. E com a palavra persona se entende não uma parte, não uma propriedade em outro, mas aquilo que subsiste por si mesmo, conforme os Pais usaram esse termo nessa questão.

ARTIGO 2: DO PECADO ORIGINAL

Ensina-se, outrossim, entre nós que depois da queda de Adão todos os homens naturalmente nascidos são concebidos e nascidos em pecado, isto é, que desde o ventre materno todos estão plenos de concupiscência e inclinação más, e por natureza não podem ter verdadeiro temor de Deus e verdadeira fé em Deus. Também, que essa inata pestilência e pecado hereditário verdadeiramente é pecado e condena à eterna ira de Deus a quantos não renascem pelo batismo e pelo Espírito Santo.

ARTIGO 3: DO FILHO DE DEUS

Ensina-se, além disso, que Deus Filho se fez homem, nascido da pura Virgem Maria, e que as duas naturezas, a divina e a humana, inseparavelmente unidas em uma única pessoa, são um só Cristo, que é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, que verdadeiramente nasceu, padeceu, foi crucificado, morreu e foi sepultado, a fim de ser oblação não só pelo pecado hereditário, mas ainda por todos os outros pecados, e para aplacar a ira de Deus. Ensina-se, outrossim, que o mesmo Cristo desceu ao inferno, no terceiro dia ressurgiu verdadeiramente dos mortos, subiu ao céu e está sentado à destra de Deus, para dominar eternamente sobre todas as criaturas e governá-las, a fim de santificar, purificar, fortalecer e consolar, pelo Espírito Santo, a quantos nele crêem, dar-lhes também vida e toda sorte de dons e bens, e proteger e defendê-los contra o diabo e o pecado. Também se ensina que o mesmo Cristo Senhor, conforme o Symbolum Apostolorum, no fim virá visivelmente, para julgar os vivos e os mortos. etc.

Oremos

Senhor Deus, Pai Celestial, Tu preservaste o ensinamento da Igreja Apostólica através da confissão da verdadeira fé em Augsburgo. Continue lançando os brilhantes raios de sua luz sobre sua igreja para que nós, instruídos pela doutrina dos abençoados apóstolos, possamos andar na luz de sua verdade e finalmente alcançar a luz da vida eterna; através de Jesus Cristo, nosso Senhor, que vive e reina contigo e com o Espírito Santo, um só Deus, agora e para sempre. 

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A oração é do Treasury of Daily Prayer, 2008, página 463, Concordia Publishing House. Todos os direitos reservados.

junho 10, 2019

Onde aprender sobre a Teologia Luterana?


por Denício Godoy

A caminhada na Igreja Luterana muitas vezes parece ser um caminho completamente obscuro, dada a falta de referência no que diz respeito a material confiável e acessível para um conhecimento mais profundo sobre esta Igreja. Afirmo isso com total segurança visto que também passei por algo semelhante quando comecei a ler sobre a reforma do bem-aventurado Dr. Martinho Lutero. Eu poderia ter seguido por outros caminhos... No calvinismo, por exemplo, há uma grande fonte de informações nos mais diversos blogs, canais no youtube, conferências, etc. Em Dom Cavati-MG, cidade em que fui criado, a presença dos presbiterianos é anterior a presença dos católicos, e ali eu poderia ter permanecido. Uma coisa me impediu, e acredito piamente que foi Deus que não permitiu. A Igreja Presbiteriana exigia que eu fosse rebatizado, e eu já tinha consciência de que o batismo que eu tinha recebido aos dois anos de idade era algo muito importante na minha caminhada cristã. Enfim, no meu caso as coisas foram diferentes porque entrei em contato diretamente no site da Igreja Evangélica Luterana do Brasil e através deste contato fui informado sobre a Igreja Luterana mais próxima da minha cidade, a CEL Paz de Ipatinga-MG, pastoreada na época pelo Rev. Reginaldo Jacob. Foi este pastor que me instruiu na sã doutrina cristã, e me apontou caminhos, referências, literaturas, etc. Isso fez de mim um cristão luterano.

No entanto, nem todos encontram estas placas de sinalização e terminam "aprendendo" sobre o luteranismo através de fontes que, de propósito ou não, mais atrapalham do que ajudam. Ler um blog calvinista pretendendo falar com propriedade sobre consubstanciação e expiação limitada dentro do luteranismo é passar longe, a milhas e milhas do que realmente é a confessionalidade luterana. E pasmem, não são poucos os autores que querem falar por nós em benefício deles mesmos. É isso que tenho visto em todos estes anos como um dos editores da página Lutero Reflexivo. Muitas pessoas comentam nossas postagens querendo nos ensinar a ser luteranos. Chega a ser engraçado, quando não é estressante (risos). O fato é que estas pessoas em algum momento beberam de uma fonte suja (entenda: uma fonte que não oferece conteúdo de confiança no que se refere à fé luterana).

Por este motivo, hoje trago pra vocês a indicação de alguns livros que considero essenciais para que uma pessoa possa aprender de forma segura sobre a Igreja Luterana e sua Confissão de Fé. Esta lista havia sido postada por mim em meu antigo blog pessoal em maio de 2016. Hoje ela está completamente atualizada, trazendo material que foi publicado posteriormente.  Antes de irmos diretamente para a lista, lembro que esta lista traz livros que eu, Denício, considero essenciais. Outras pessoas podem discordar e muitos outros livros podem ser agregados a essa lista.

Os livros essenciais para aprender mais sobre a teologia luterana são:
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Bíblia de Estudo da Reforma:


Na primeira vez que publiquei esta lista em 2016 a referência Sagrada Escritura foi a Bíblia de Estudo NTLH. Hoje, como não poderia deixar de ser, indico a Bíblia de Estudo da Reforma. A BER apresenta um rico e vasto material como notas, artigos e orações com base em cada livro das Escrituras Sagradas. Todos os livros da Bíblia trazem uma introdução sobre o pensamento de Martinho Lutero, bem como um amplo esboço com detalhes históricos e artigos. O objetivo desta publicação é estimular no leitor a reflexão sobre o legado trazido pela Reforma e, especialmente, resgatar as raízes da Reforma Protestante, ao destacar a centralidade da Bíblia para a fé e a vida cristã. Para esta Bíblia de Estudo, adotou-se a consagrada edição Almeida Revista e Atualizada (RA). Espero ansiosamente pela edição com o novo texto da Nova Almeida Atualizada
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Espiritualidade da Cruz:


Espiritualidade da Cruz é um livro que explica, como nenhum outro, uma tradição cristã que é histórica, rica e particularmente relevante para os nossos dias. Numa época em que o cristianismo tem sido confundido com moralismo e política, o que Martinho Lutero chamava de espiritualidade da glória – a espiritualidade da cruz – aparece como uma alternativa libertadora, uma mudança de paradigma.

Pós-modernistas chegam ao ponto de dizer que todas as religiões, ideologias e instituições culturais nada mais são do que “construções” desenvolvidas para impor poder sobre outras pessoas. Em contrapartida, a única espiritualidade que pode suportar a crítica pós-moderna e falar mais profundamente à condição espiritual contemporânea é precisamente a Espiritualidade da Cruz, como apresenta neste livro.

Dr. Gene Edward Veith é bacharel em Letras pela Universidade de Oklahoma, mestre (M.A. e M. Phill) e Ph.D. em inglês pela Universidade de Kansas. É reitor e professor de Literatura na Patrick Henry College e diretor do Instituto Cranach, no Seminário Concórdia de Teologia (FT.. Wayne, Indiana). Dr. Veith é autor de 20 livros sobre temas do cristianismo, cultura, educação clássica, literatura e artes. Tem mais de 100 publicações, incluindo artigos científicos, resenhas e livros sobre vocação cristã.
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Catecismo Maior de Lutero:

O Catecismo Maior de Lutero consiste de obras escritas pelo Dr. Martinho Lutero. Este livro destina-se especialmente a ajudar ministros e pastores a ensinar suas congregações. Apesar disso, não deixa de ser uma riquíssima fonte de conhecimento para quem deseja aprender um pouco mais da teologia de Lutero. O Catecismo Maior de Lutero é dividido em cinco partes: a) Os Dez Mandamentos; b) O Credo Apostólico; c) O Pai Nosso; d) O Sacramento do Batismo; e) O Sacramento da Santa Ceia.
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Livro de Concórdia:

O Livro de Concórdia contém os escritos confessionais da Igreja Luterana. Não se trata de um patrimônio exclusivo das igrejas que se confessam diretamente devedoras da Reforma Luterana, mas pertence à cristandade toda como confissão ecumênica de membros no corpo de Cristo e como profissão da fé apostólica. Sua linguagem é um pouco arcaica, mas já ouvi comentários de que em breve sairá uma nova edição com uma linguagem completamente atualizada. Aguardem.
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Lei e Evangelho:

Distinguir Lei de Evangelho é essencial na teologia luterana. A correta distinção entre lei e evangelho é um conjunto de prelações de Carl Ferdinand Wilhelm Walther. Elas foram proferidas entre os anos de 1884 e 1885 e estenografadas e transcritas por alunos de teologia do Concordia Seminary, de Saint Louis, EUA. Quer saber como um teólogo luterano lê e interpreta as Sagradas Escrituras? Este livro não pode ser ignorado.
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Isto é o Meu Corpo:

Eu sou aquele tipo de luterano que já está careca de ver calvinistas e zwinglianos falando de consubstanciação, que o "isto é" não é e por aí vai... Pois bem, a teologia luterana da eucaristia deve receber uma atenção especial por parte daqueles que buscam compreender mais a teologia luterana. A principal descoberta de Lutero em relação à Santa Ceia foi que este sacramento é Evangelho. Daí a sua ênfase na presença real do Corpo e Sangue de Cristo nas espécies do pão e do vinho. Não é possível ser luterano e negar a presença de Cristo no sacramento do altar!
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Sumário da Doutrina Cristã:


Sumário da doutrina cristã. Edward koehler. Um clássico da teologia mundial que sistematiza as principais doutrinas bíblicas de forma resumida e objetiva. Pra quem busca algo rápido, o Sumário poderia ser a porta de entrada.


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Dogmática Cristã

A Dogmática Cristã é um manual sistemático dos verdadeiros ensinos bíblicos. Alguns temas abordados no Sumário da doutrina cristã são abordados e aprofundados nesta obra maravilhosa de John Theodore Mueller. Enquanto não temos a Confessing the Gospel, a nova teologia sistemática da LCMS, Muller é referência em teologia sistemática luterana no Brasil.
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Aqui nos Firmamos:

Este livro tenta delinear a natureza essencial de uma das grandes igrejas confessionais da cristandade. Ele não se propõe apresentar uma história ou um sistema de dogmática da Igreja Evangélica Luterana. Sua intenção é simplesmente explicar por que a igreja que aceita as Confissões Luteranas tem uma existência separada e como essa igreja difere das outras.

janeiro 17, 2019

Trechos dos Escritos dos Pais da Pré-Reforma que foram Incorporados nas Confissões Luteranas do Século XVI

(As citações confessionais são do Livro de Concórdia, traduzido por Arnaldo Schüler e editado por Darci Drehmer.)

INTRODUÇÃO

Os reformadores luteranos do século XVI não eram inovadores sectários que se propuseram a criar uma nova igreja. Pelo contrário, eles reconheceram e se alegraram por estar em continuidade com a igreja dos apóstolos e dos antigos Padres cristãos. Os reformadores sabiam que Cristo havia prometido preservar sua igreja até o fim dos tempos, e na história da igreja eles observaram que, “a fim de manter o evangelho entre os homens, publicamente opõe ao reino do diabo a confissão dos santos e, em nossa fraqueza, declara seu poder. Os perigos, trabalhos, e sermões do apóstolo Paulo, de Atanásio, de Agostinho, e de outros, semelhantes a esses, os quais ensinaram as igrejas, são obras santas, sacrifícios verdadeiros, agradáveis a Deus, pelejas de Cristo, pelas quais reprimiu o diabo, arredando-o dos que creram”. (Apologia da Confissão de Augsburgo IV: 189-90, p. 138) Os reformadores formalmente e sem reservas endossaram os Credos Ecumênicos com a seguinte declaração: “E, visto que, imediatamente após os tempos dos apóstolos e ainda em vida deles, penetraram falsos mestres e hereges, contra os quais se compuseram, na igreja primitiva, Symbola, isto é, confissões breves e categóricas, que foram consideradas como a fé e a confissão unânimes, universais e cristãs, da igreja ortodoxa e verdadeira, a saber, o Símbolo Apostólico, o Símbolo Niceno e o Símbolo Atanasiano, nós os confessamos por nossos e rejeitamos, com isso, todas as heresias e doutrinas introduzidas na igreja de Deus contrariamente a eles” (Fórmula de Concórdia, Introdução: 3, p. 498).

Foi a convicção dos reformadores de que “os escritos proféticos e apostólicos do Antigo e do Novo Testamento são a única regra e norma, segundo a qual devem ser ajuizadas e julgadas, igualmente todas as doutrinas e todos os mestres”, e portanto concordaram com Santo Agostinho “que também aos bispos regularmente eleitos não se deve obedecer caso errem ou ensinem ou ordenem algo contra a santa e divina Escritura” (Fórmula de Concórdia, Introdução: 1, p. 498; Confissão de Augsburgo XXVIII: 28, p. 58) Os reformadores sabiam que os Padres da igreja, como eles mesmos, eram homens que “podiam errar e ser enganados”, e que “de quando em quando também eles edificaram palha sobre o fundamento, palha que, todavia, não lhes destruiu a fé" [cf. 1 Cor 3.11-13]. (Apologia XXIV: 95, p. 286; VII / VIII: 21, p. 180) Mas eles também acreditavam que “não se rejeitam outros livros bons, úteis e puros, tais como interpretações da Sagrada Escritura, refutação de erros e explicação dos artigos doutrinários" (Fórmula de Concórdia, Declaração de Sólida, Da Suma: 10, p. 543) Tais "escritos... dos antigos ou dos novos mestres, seja qual for o nome deles. não devem ser equiparados à Escritura Sagrada", mas podem e devem ser recebidos como “testemunhas da maneira como e quanto aos lugares onde essa doutrina dos apóstolos e profetas foi preservada nos tempos pós-apostólicos” (Epítome, Introdução: 2, p. 499) Em consonância com este princípio, os reformadores conseguiram afirmar: “no que tange ao pecado original, nada pensamos que seja estranho à Escritura ou à igreja católica, mas repurgamos e restituímos à luz gravíssimas sentenças da Escritura e dos Pais, soterradas por discussões sofísticas de teólogos recentes." (Apologia da Confissão de Augsburgo II: 32, p. 105) Em relação ao "artigo principal" da fé cristã, eles também foram capazes de dizer: "as coisas por nós ditas são consentâneas com as Escrituras proféticas e apostólicas, aos santos Pais, Ambrósio, Agostinho e a muitos outros e com toda a igreja de Cristo, a qual, certamente, confessa que Cristo é o propiciador e justificador.”(Apologia da Confissão de Augsburgo IV: 389, p.175) E estava claro para os reformadores que o Senhor preservou seus meios de graça dentro da igreja também nos séculos mais recentes, pois “Deus confirma o batismo pela infusão de seu Espírito Santo, conforme bem se percebe em alguns Pais, como São Bernardo, Gérson, João Hus e outros.” (CatecismoMaior, IV: 50, p. 481) 


O que se segue é uma antologia de citações diretas dos escritos dos Padres, organizados topicamente, que aparecem nas Confissões Luteranas oficiais do século XVI. Esses Padres - latinos e gregos, antigos e medievais - são, em um sentido muito real, contribuintes pré-reformadores da teologia da Reforma do Livro de Concórdia. A presença destes trechos patrísticos no Livro de Concórdia valida a afirmação confessional de que tudo no ensino ortodoxo luterano “se fundamenta claramente na Sagrada Escritura e, além disso, não é contrário nem se opõe à igreja cristã universal e, na verdade, tampouco à Igreja Romana, quando se pode coligir dos escritos dos Pais”, e que entre os luteranos nada“nada se ensina que seja contrário à Sagrada Escritura ou à igreja cristã universal, havendo-se apenas corrigido alguns abusos”. (Confissão de Augsburgo, epílogo de XXI, 1, p. 40; prólogo para XXII, 1, p. 40)

PESSOA DE CRISTO

No mesmo tempo em que vivia o herege Manes, um chamado Paulo - o qual, samosateno de nascimento, foi, porém, bispo de Antioquia, na Síria - impiamente ensinou que Cristo Senhor nada foi além de mero homem no qual Deus Verbo habitou como um em cada um dos profetas. Por isso, também julgou que a natureza divina e a humana estão separadas e destacadas uma da outra, e que em Cristo nenhuma comunhão têm entre si, exatamente como se um fosse Cristo e outro Deus Verbo, que nele habita. (Theodoro de Raithu [6° século], Preparação; citado em Solid Declaration VIII: 16, p. 594)

PECADO E GRAÇA

À pergunta sobre o que seja pecado original, responde-se corretamente, dizendo que é concupiscência imoderada. Também acerta quem responde que é carência da justiça devida. E uma dessas respostas inclui a outra. (São Boaventura [+1274], Comentário às Sentenças II, 30: 2c; citado em Apologia da Confissão de Augsburgo II: 28, p. 104-105) 

O pecado original abrange privação da justiça original e, com isso, desordenada disposição das partes da alma, não sendo, por consequência, pura privação, mas uma espécie de hábito corrupto. (São Tomás de Aquino [+1274], Summa Theologiae II: 1, q.82, a.1 ad 1; citado em Apologia da Confissão de Augsburgo II: 27, p. 104)

Se a capacidade natural, pelo livre arbítrio, é auto-suficiente, tanto para saber como se deve viver, quanto para bem viver, Cristo morreu em vão, o escândalo da cruz está esvaziando. Por que não exclamaria também eu aqui? Certo que exclamarei, increpando-os com aflição cristã: De Cristo vos desligastes vós que sois justificados na natureza da graça decaístes. Pois, ignorando a justiça de Deus e querendo instituir a vossa, não vos sujeitais à justiça de Deus. Pois, assim como Cristo é o fim da lei, assim também é o salvador da viciosa natureza humana, para a justiça de todo aquele que crê. (Santo Agostinho de Hipona [+430], De natura et gratia 40:47; citado em Apologia da Confissão de Augsburgo IV: 29-30, p. 113-114) 

Não está, portanto, conforme à imagem divina a alma em que Deus não é sempre. (Santo Ambrosio de Milão [+397], Hexaëmeron VI, 8:45; citado em Apologia da Confissão de Augsburgo II: 19, p. 103)

Errei nisso de haver sustentado que a graça de Deus consiste apenas em Deus, na pregação da verdade, revelar sua vontade, mas que nosso assentir ao evangelho pregado é nossa própria obra e está em nossos poderes... errei, quando disse que está em nosso poder crer no evangelho e querer, mas que é obra de Deus dar, aos que crêem e querem, o poder de operar algo. (Santo Agostinho de Hipona, De praedestinatione sanctorum III: 7; citado em Declaração Sólida II: 27, p. 565) 

Para que não aconteça desvanecer-se alguém como inocente e, exaltando-se a si mesmo, pareça mais ainda, é instruído e ensinado que peca diariamente, enquanto se lhe ordena orar todos os dias, à vista de seus pecados. (São Cipriano de Cartago [+258], De oratione dom, 22; citado em Apologia da Confissão de Augsburgo IV: 322, p. 164)

Antes de mais nada é preciso crer que não podes ter remissão de pecados a não ser por indulgência divina. Depois, que não podes ter nenhuma boa obra a menos que também isso ele o tenha dado. Por último, que não podes merecer a vida eterna por obra alguma, senão que também ela é dada gratuitamente... Ninguém se engane, por que se quiser pensar bem, descobrirá sem dúvida, que com dez mil não pode sair ao encontro daquele que lhe vem com vinte mil. (São Bernardo de Claraval [+1153], Sermo I. in annunciat. b. Mariae Virginis I: 1-2; citado em Apologia da Confissão de Augsburgo XXVII: 32, p. 294)

Tão certo como eu vivo, diz o Senhor Deus, não tenho prazer na morte do perverso, mas em que o perverso se converta do seu caminho e viva. Ele convida a salvação por meio de prêmio, jurando até. Ao dizer "Vivo eu", deseja ser crido. Ó bem-aventurados aqueles por causa dos quais Deus jura! Ó misérrimos, se não cremos nem ao Senhor que jura! (Tertuliano [+230], De Paenitentia, 4; citado em Apologia da Confissão de Augsburgo XII: 94, p. 207)

A lei que está nos membros fica remitida pela regeneração espiritual e remanescente na carne mortal. Fica perdoada porque a culpa fica remitida no sacramento, pelo qual os crentes renascem; permanece, contudo, porque gera desejos contra os quais batalham os crentes. (Santo Agostinho de Hipona, Contra Julianum II: 3; citado em Apologia da Confissão de Augsburgo II: 36, p. 107)

Ai da vida dos homens - por mais louvável que seja - caso julgada sem misericórdia. (Santo Agostinho de Hipona, Confissões IX: 13; citado em Apologia da Confissão de Augsburgo IV: 322, p. 164) 

Deus nos conduz à vida eterna não por nossos méritos, porém, segundo a sua misericórdia. (Santo Agostinho de Hipona, De gratia et libero arbitrio, IV, 9: 21; citado em Apologia da Confissão de Augsburgo IV: 322, p. 163)

Deus coroa em nós os seus dons. (Santo Agostinho de Hipona, De gratia et libero arbitrio, VI, 9, 15; citado em Apologia da Confissão de Augsburgo IV: 356, p. 169)

Não digo que te exponhas publicamente, nem que a ti mesmo denuncies ou declares culpado junto a outrem, mas obedece ao profeta, que diz: 'Revela ao Senhor os teus caminhos'. Por isso, além de tua oração, confessa-te ao Senhor Deus, o verdadeiro juiz; não diga aos teus pecados com a língua, mas em tua consciência. (São João Crisóstomo [+407], Homilia 31 [sobre a Epístola aos Hebreus], ​​citado em Gratian, Decretum II: 33, q.3, dist.I, c.87: 4; citado em Confissão de Augsburgo XXV: 11, 47) 

LEI E EVANGELHO

A justiça da lei - que viverá nela quem a cumprir - , sem dúvida, é proposta com o intento de que, cada um, quando tiver reconhecido sua infirmidade, conciliando o justificador, não por sua própria força nem pela letra da lei - coisa impossível -, mas pela fé, a alcance, realize e nela viva. Boa obra tal, que, quem a faz, nela tenha vida, não há senão no justificado. Mas justificação só se obtém pela fé... Pela lei tememos a Deus; pela fé esperamos em Deus. Mas a graça é oculta aos que temem a pena. Se a alma sofre debaixo desse temor, etc., refugie-se, pela fé, na misericórdia de Deus, para que dê aquilo que ordena. (Santo Agostinho de Hipona, De spiritu et litera 29: 51; citado em Apologia da Confissão de Augsburgo IV: 106, p. 126-127)

O mundo porém lhe foi sujeito pela lei, porque, segundo a norma da lei, todos estão denunciados, e, pelas obras da lei, ninguém é justificado, isto é, porque, pela lei, conhece-se o pecado, mas não se desfaz a culpa. A lei, que a todos faz pecadores, parecia ter prejudicado, mas o Senhor Jesus, ao vir, perdoou a todos o pecado que ninguém pudera evitar e destruiu, pela efusão de seu sangue, nosso escrito de dívida. É o que se lê: "Avultou o pecado pela lei; superabundou, porém, a graça por Jesus. Porque, depois de sujeitado o mundo universo, tirou o pecado de todo o mundo, conforme testifica João, dizendo: "Eis o cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo". E, por isso, ninguém se glorie de obras, já que ninguém é justificado pelo que faz. Porém, aquele que é justo, o é por dádiva, visto haver sido justificado desde o lavacro. É, pois, a fé que liberta pelo sangue de Cristo, porque "bem-aventurado aquele cuja iniquidade é perdoada, cujo pecado é coberto. (Santo Ambrosio de Milão, Epístola a Ireneu; citado em Apologia IV: 103, p. 126)

Nos convém crer que devemos arrepender-nos, como que devemos ser perdoados; contudo, de modo que esperemos o perdão como proveniente da fé, a qual o obtém como que de nota promissória. (Santo Ambrósio de Milão, De poenitentia adv. Novatianos II: 9; citado em Apologia da Confissão de Augsburgo XII: 96, p. 207) 

JUSTIFICAÇÃO

Considerada, pois, e tratada a questão na medida das forças que o Senhor se digna dar, coligimos que o homem não é justificado pelos preceitos de uma vida reta, senão pela fé em Cristo Jesus. (Santo Agostinho de Hipona, De spiritu et litera 13:22; citado em Apologia da Confissão de Augsburgo IV: 87, p. 124) 

Pois, antes de tudo, é necessário creres que não podes ter remissão dos pecados senão por indulgência de Deus, mas acrescenta ainda que crês também isto: que por ele os pecados te são perdoados. Este é o testemunho que o Espírito Santo dá em teu coração, dizendo: Perdoados te são os teus pecados. Assim, pois, julga o apóstolo que o homem é justificado gratuitamente, pela fé. (São Bernardo de Claraval, Sermo in festo b. Mariae Virg. I: 1; citado em Apologia da Confissão de Augsburgo XII: 73, p. 203)

Por conseguinte, somos justos quando nos confessamos pecadores, e nossa justiça consiste na misericórdia de Deus, não em mérito próprio. (São Jerônimo [+420], Dial. adv. Pelagianos I: 5; citado em Apologia da Confissão de Augsburgo IV: 173, p. 135)

Cumprem-se todos os mandamentos de Deus quando é perdoado tudo o que não se faz. (Santo Agostinho de Hipona, Retractationes I, 19: 3; citado em Apologia da Confissão de Augsburgo IV: 172, p. 135)

E como as néscias não podem sair ao encontro em razão de estarem as lâmpadas extintas, pedem lhes emprestem azeite as prudentes, ao que estas responderam que não podiam dar, visto não haver, talvez, o suficiente para todas; isto é, ninguém deve ser ajudado com obras e méritos alheios, porque é necessário a cada qual que compre azeite para sua própria lâmpada. (Santo Hilário Poitiers, Comentário sobre o Evangelho segundo Mateus, 27: 5 (em Mateus 25: 8, 9); citado em Apologia da Confissão de Augsburgo XXI: 30, p. 247)

SANTIFICAÇÃO

Se Deus, por causa daquele pecado [de Davi], tivesse ameaçado que ele seria ameaçado assim pelo filho, por que, então, remitido o pecado , cumpriu o de que o havia ameaçado? A resposta é que aquela remissão de pecado se efetuou a fim de que o homem não fosse impedido de receber a vida eterna. Seguiu-se, porém, o exemplo da ameaça, para que a piedade do homem fosse exercitada e provada até naquela humildade. Assim, Deus também infligiu ao homem, por causa do pecado, a morte do corpo e, depois da remissão dos pecados, não a removeu, tendo em vista exercitar a justiça, isto é, para que se exercesse e provasse a justiça daqueles que são santificados . (Santo Agostinho de Hipona, De peccatorum meritis et remissione, II, 34: 56; citado em Apologia da Confissão de Augsburgo XII: 160, p. 219) 

Despojai-vos do velho homem... para não acontecer que alguém julgue que se deve depor a substância ou a essência do homem, ele mesmo explicou o que vem a ser despojar-se do velho homem e revestir-se do novo, ao dizer nas palavras subsequentes: Por isso, deixai a mentira e falai a verdade. Eis que isso é despojar-se do velho homem e revestir-se do novo. (Santo Agostinho de Hipona, Enarratio in Psal. XXV, II: 1; citado em Declaração Sólida II: 81, p. 576)

SANTO BATISMO

Quando a palavra se junta ao elemento ou substancia natural, faz-se o sacramento. (Santo Agostinho de Hipona, Tratado 80 [em João 3]; citado em Catecismo Maior V: 10, p. 487, em Catecismo Maior IV: 18, p. 477, e em Artigos de Esmalcalde III, V: 1, p. 333)  

O pecado é remitido no batismo não assim que já não exista, mas de maneira que não é imputado. (Santo Agostinho de Hipona, De nupt. et cconcup. I: 25; citado em Apologia da Confissão de Augsburgo II: 36, p. 107)

A SAGRADA EUCARISTIA

O próprio Cristo prepara e abençoa esta mesa. Pois homem nenhum faz do pão e do vinho postos diante de nós corpo e sangue de Cristo, se não o mesmo Cristo que foi crucificado para nós. As palavras são proferidas pela boca do sacerdote, mas os elementos postos diante de nós na ceia são consagrados pelo poder e pela graça de Deus, pela palavra que ele diz: Isto é o meu corpo. E, assim como a palavra: Crescei, multiplicai-vos e enchei a terra foi dita uma só vez, sendo, porém, sempre eficaz na natureza, de sorte que ela cresce e se multiplica, assim também esta palavra foi dita uma só vez, mas até o dia de hoje e até a sua vinda, ela é eficaz, fazendo com que na ceia da igreja seu verdadeiro corpo e sangue estejam presentes. (São João Crisóstomo, De proditione Iudae 1: 6; citado em Declaração Sólida VII: 76, p. 624)

Não recebemos isso como pão ordinário ou bebida ordinária, mas, assim como Jesus Cristo, nosso Salvador, se fez carne pela Palavra de Deus e também teve carne e sangue por causa de nossa salvação, assim cremos que o alimento por ele abençoado com a palavra e a prece é o corpo e o sangue do Senhor Jesus Cristo. (Justino Mártir [+165], Primeira Apologia, 66; citado na Declaração Sólida VII: 39, p. 617)

[Na Ceia do Senhor] o pão não é só figura, porém que é verdadeiramente mudado em carne. (Teofilato de Acrida  [+1108], Comentário sobre o Evangelho de Marcos, 14: 22; citado em Apologia da Confissão de Augsburgo X: 2, p. 179)

Não negamos, contudo, que somos unidos espiritualmente a Cristo por fé verdadeira e amor puro. Mas, deveras, negamos, e resolutamente, que com ele não tenhamos nenhuma espécie de conjunção segundo a carne. E dizemos que isso é de todo em todo estranho às divinas Escrituras. Pois quem duvidou que também desse modo Cristo é videira e nós ramos que dele obtemos vida para nós? Ouvi o que diz Paulo: Porque "todos somos um só corpo em Cristo", porque, "embora muitos, somos, contudo, um nele, pois todos participamos de um mesmo pão". Julga ele, porventura, que ignoramos a virtude da bênção mística? Esta, quando está em nós, acaso não fará, também corporalmente, que Cristo, pela comunicação da carne de Cristo, habite em nós?... Deve considerar-se, por conseguinte, que Cristo não está em nós apenas segundo um hábito que é entendido pelo amor, mas, ainda, por participação natural, etc. (Cirilo de Alexandria [+444], In John. Lib X: 2; citado em Apologia da Confissão de Augsburgo X: 3, p. 189) 

Se um pecado não é de natureza tal que se possa com razão excluir a pessoa da congregação e considerá-la como não-cristã, não deve a gente abster-se do sacramento. (Santo Hilário, Decretum Gratiani, P. III D. 2 c. 15; citado em Catecismo Maior: 59, p. 492)

Ide a ele e sede absolvidos, porque ele é a remissão dos pecados. Perguntais quem é ele? Ouvi a ele mesmo dizer: Eu sou o pão da vida, o que vem a mim não terá fome, e o que crê em mim, jamais terá sede. (Santo Ambrósio de Milão, Expositio in Psalmum, 18: 28; citado em Apologia da Confissão de Augsburgo XXIV: 75, p. 281)

Foram ordenadas pelos apóstolos as comunhões celebradas às quartas-feiras, às sextas-feiras e aos domingos. (Santo Epifânio de Salamina [+403], Heresias III; citado em Apologia da Confissão de Augsburgo XXIV: 8, p. 267)

IGREJA E MINISTÉRIO

A Pedro revelou o Pai que dissesse: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo. A edificação da igreja é, portanto, sobre a pedra dessa confissão. Essa fé é o fundamento da igreja. (Santo Hilário de Poitiers [+368], A Trindade VI: 36-37; citado em Tratado sobre o Poder e o Primado do Papa, 29, p. 350)

A questão é a seguinte: onde está a igreja? Portanto, que é que haveremos de fazer? Procurá-la-emos em nossas palavras ou nas de seu cabeça, nosso Senhor Jesus Cristo? Penso que devemos procurá-la nas palavras daquele que é a Verdade, q que muito bem conhece o seu corpo. (Santo Agostinho de Hipona, Epístola Contra os Donatistas [De Unitate Ecclesiae] IV, 15: 2; citado em Apologia da Confissão de Augsburgo IV: 400, p. 176)

Não consiste a Igreja em homens por virtude de poder ou dignidade eclesiástica ou secular, pois que se descobriu que muitos príncipes e arcebispos e outros, de categoria inferior, apostataram da fé. A igreja, por isso, consiste naquelas pessoas em que há conhecimento e confissão verdadeiros da fé e da verdade. (Nicolau de Lira [+1349], Postilla super Matth, 16:10; citado em Apologia da Confissão de Augsburgo VII/VIII: 22, p. 181)

Os sacerdotes administram o sacramento e distribuem ao povo o sangue de Cristo. (São Jerônimo, comentário sobre Sofonias, 3; citado em Confissão de Augsburgo XXII: 6, p. 41 e em Apologia da Confissão de Augsburgo XXII: 4, p. 251).

Os diáconos, segundo a ordem, recebem do bispo ou do presbítero, a sagrada comunhão, depois dos presbíteros. (Cânon 18 do Concílio de Nicéia [325], citado em Confissão de Augsburgo XXIV: 38, p. 80)

Por outro lado, contudo, em Alexandria é às quartas e sextas-feiras que as Escrituras são lidas e os doutores as interpretam, e faz-se tudo sem o solene costume do sacrifício. (Sócrates [5º século], História Eclesiástica V: 22; citado em Cassiadorus, História Eclesiástica Tripartida IX; citado em Confissão de Augsburgo XXIV: 41, p. 80)

Por isso, segundo a tradição divina e a observância apostólica, deve ser diligentemente guardado e praticado o que também se observa entre nós e em quase todas as províncias: que, para celebrar as ordenações apropriadamente, todos os bispos vizinhos da mesma província devem reunir-se com o povo para o qual o preposto deve ser ordenado e o bispo deve ser eleito na presença do povo que conhece integralmente a vida de cada um, o que, segundo vimos, também foi feito entre vós na ordenação do nosso colega Sabino, que, pelo sufrágio de toda a fraternidade e pelo juízo dos bispos que se haviam reunido na presença deles, o episcopado lhe foi conferido e lhe foram impostas as mãos. (São Cipriano de Cartago, Epístola 67; citado em Tratado sobre o Poder e o Primado do Papa, 14, p. 348)

Mas que depois foi escolhido um para ser posto sobre os demais, isto foi feito como remédio contra o cisma, a fim de não acontecer que, com cada qual atraindo para si, a igreja de Cristo se despedaçasse. Pois também em Alexandria, desde Marcos evangelista até o tempo dos bispos Esdras e Dionísio, os presbíteros sempre elegiam um entre eles e o colocavam em lugar mais elevado, chamando-o bispo. Assim como um exército estabelece um comandante para si, os diáconos, por sua vez, elejam entre eles um do qual saibam que é ativo e o nomeiem arcediácono. Pois, executada a ordenação, que faz o bispo que o presbítero não faça? (São Jerônimo, Epistola a Evágrio; citado em Tratado sobre o Poder e o Primado do Papa, 62, p. 356)

Se à questão é concernente à autoridade, o orbe é maior que o urbe. Onde quer que tenha havido um bispo, seja em Roma, seja em Eugúbio, seja em Constantinopla, seja em Régio, seja em Alexandria, é ele da mesma dignidade e do mesmo sacerdócio. É o poder da riqueza e a humildade da pobreza o que torna superior ou inferior. (São Jerônimo, Epist. 146 ad Euangelum; citado em Tratado sobre o Poder e o Primado do Papa, 18, p. 348)

LIBERDADE CRISTÃ

Não foi a intenção dos apóstolos instituir dias santos, mas ensinar fé e amor. (Sócrates, História Eclesiástica V: 22; citado em Cassiodoro, História Eclesiástica Tripartida IX: 38; citado em Confissão de Augsburgo XXVI: 45, p. 51)

Não fiqueis a calcular [a data da páscoa], as celebrai-a quando celebram vossos irmãos da circuncisão; fazei-o no mesmo tempo em que eles o fazem e, ainda, que se hajam enganado eles, não seja isso motivo de preocupação para vós. (Epifânio de Salamina, Panarion haer 70:10 [um "decreto apostólico"]; citado em Apologia da Confissão de Augsburgo VII/VIII: 42, p. 185)

Desacordo em jejum não dissolve acordo na fé. (Santo Irineu de Lião [+202], Epístola a Victor; citado em Confissão de Augsburgo XXVI: 44, p. 51, em Epitome X: 7, p. 531, e em Declaração Sólida X: 31, p. 660)

Apenas a virgindade é coisa que se pode aconselhar, não ordenar; é mais coisa de voto do que de preceito. (Santo Ambrósio de Milão, Exortação à Virgindade 3: 17; citado em Apologia da Confissão de Augsburgo XXIII: 20, p. 257)

Se, porém, não querem ou não podem guardar a castidade, é melhor que casem do que caírem no fogo por sua própria volúpia. E devem acautelar-se bem para não causarem nenhum escândalo aos irmãos e irmãs. (Cipriano de Cartago, Epístola 62: 2; citado em Confissão de Augsburgo XXIII: 25, p. 44)

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Compilado por David Jay Webber, traduzido e adaptado ao Livro de Concórdia em Português por Denício Godoy.

Publicado Originalmente em www.angelfire.com

janeiro 14, 2019

Holsten Fagerberg

por HOLSTEN FAGERBERG

Trechos de A New Look at the Lutheran Confessions [Saint Louis: Concordia Publishing House, 1972].)

    Quando as Confissões afirmam que elas são baseadas na Bíblia e cresceram em seu terreno, elas estão seguindo um dos princípios básicos da Reforma, que podem ser traçados diretamente através dos escritos teológicos de ambos [Martin] Lutero e [Philip] Melanchthon. Mas ao lado da Bíblia, e também ocupando um lugar importante nas Confissões, é a tradição eclesiástica - como isso pode ser visto acima de tudo nas mais antigas formulações doutrinárias da igreja. Isso aparece tanto em expressões programáticas quanto em procedimentos reais. [Walther] Von Loewenich, que não está de modo algum inclinado a enfatizar excessivamente o elemento “católico” nas obras de Lutero, lembra-nos dos esforços dos reformadores para preservar uma continuidade genuína com a igreja antiga. Lutero revela a mesma tendência em sua atitude para com os iconoclastas, a liturgia e os dogmas da igreja primitiva. Em sua rejeição aos primeiros hereges cristãos, sua aceitação do batismo infantil e sua defesa da confissão privada, vemos uma clara indicação da tendência da Reforma a preservar e restaurar. O objetivo da Reforma não era lançar um novo início radical, mas unir-se à herança da igreja antiga. Lutero tinha um sentimento de continuidade.
     Essa atitude em relação à igreja primitiva é vista de modo ainda mais forte em Melanchthon e nos documentos confessionais que ele escreveu. Desde que [Peter] Fraenkel publicou sua principal obra sobre o papel do elemento patrístico na teologia de Melanchthon - dos primeiros escritos até o último - podemos entender melhor por que a Confissão de Augsburgo e a Apologia aderem tão intimamente às formulações doutrinárias da igreja primitiva. Fraenkel demonstra que o interesse de Melanchthon pelas tradições da igreja primitiva permaneceu inalterado ao longo de sua carreira como autor no campo da teologia. Contra esse pano de fundo, podemos ver com mais clareza a seriedade da declaração da Confissão de Augsburgo: “Nada foi recebido entre nós, em doutrina ou em cerimônias, que seja contrário às Escrituras ou à igreja católica, contra Scripturam aut ecclesiam catholicam . Pois é manifesto que temos guardado diligentemente contra a introdução em nossas igrejas de quaisquer novas doutrinas ímpias. ”A fim de avaliar as declarações das Confissões Luteranas em questões teológicas controversas, é importante que sua orientação na direção das formulações mais antigas , especialmente os da igreja primitiva, sejam mantidos em vista. Na disputa de tendências teológicas opostas que marcaram sua época, os reformadores apoiaram a continuidade histórica e refutaram doutrinas que julgavam ser novas, sem apoio nem na Bíblia nem nos pais da igreja primitiva. Era seu desejo ligar-se às tradições da Igreja Ocidental - depois de terem sido libertados de acréscimos e excrescências posteriores. (pags. 45-46)

    Quando Melanchthon apoiou a posição evangélica com argumentos derivados dos pais da igreja primitiva, isto estava em harmonia com a sua opinião sobre a Reforma como uma continuação da formação doutrinal da igreja primitiva. Um estudo das partes dos escritos confessionais pelos quais Melanchthon foi responsável revela que as declarações formais na introdução e conclusão da Confissão de Augsburgo não estavam simplesmente lá por razões tático-políticas; elas refletem um ponto de vista bem pensado e distinto. As repetidas citações dos pais da igreja falam muito claramente como a expressão do método teológico sobre o qual as confissões são padronizadas. Em primeiro lugar, é feita referência à Bíblia, que deve apoiar claramente uma opinião doutrinal e, em segundo lugar, aos escritos dos pais. Em conexão com a controversa doutrina do pecado original, Melanchthon afirmou que não havia nada de novo nisso. Ensinamos, ele insistiu, nada a respeito do pecado original que está em oposição às Escrituras ou à igreja universal; nós simplesmente estabelecemos as principais idéias da Bíblia e dos pais. O mesmo raciocínio foi aplicado à doutrina da justificação, que tem apoio não apenas na Bíblia, mas também em muitos dos pais da igreja, dos quais Agostinho, com suas visões antipelagianas, foi citado em primeiro lugar. Ambrósio e Cipriano também foram incluídos. Melanchthon freqüentemente se referiu aos pais da Igreja Oriental. Idéias que Melanchthon derivou de Gratian também recebem algum espaço. Entre estes últimos estava a proposição de que qualquer costume que entrasse na igreja contra mandata Dei não deveria ser aceito ou aprovado.
   Em geral, encontramos a mesma atitude em Lutero, embora seu olhar crítico fosse mais aguçado. Naquelas porções das Confissões, as quais ele escreveu citações dos pais da igreja são relativamente escassas e estão muito mais em segundo plano. Lutero faz referências diretas aos pais apenas em algumas ocasiões. Agostinho recebe um lugar especial. Entre os pais mais antigos, Lutero também menciona Jerônimo, a quem ele cita em apoio de sua opinião sobre a igualdade entre papas e bispos. Entre os jovens teólogos, ele presta muita atenção a Bernardo [de Clairvaux], [John] Gerson e [John] Hus, que mostra sua atitude não convencional em relação à tradição eclesiástica.
   Dois outros fatores são de importância ainda maior. Primeiro de tudo, Lutero rejeitou o movimento de reforma radical, anti-Trinitário, cujos defensores eram conhecidos como "entusiastas". Não pode haver dúvida de que essa escolha foi feita deliberadamente. Em uma carta sobre o rebatismo, Lutero tomou uma posição contra Balthaser Hubmaier e escreveu o seguinte: “É nossa confissão que no papado há as Sagradas Escrituras certas, o batismo certo, o sacramento certo do altar, as chaves certas para o perdão dos pecados, o ofício correto de pregação, o catecismo correto, como a Oração do Senhor, os Dez Mandamentos, o Credo. ... Agora, se o cristianismo existe sob o papa, deve ser o verdadeiro corpo e membros de Cristo. Se é o Seu corpo, então tem o Espírito, o Evangelho, o Credo, o Batismo, o Sacramento, as chaves, o ofício de pregação, a oração, as Sagradas Escrituras e tudo o que o Cristianismo deveria ter. Portanto, não nos entusiasmamos com os 'entusiastas' que rejeitam tudo no papado ”[ Von der Wiedertaufe (1528)]. Em segundo lugar, Lutero se ligou positivamente às formulações dogmáticas da igreja primitiva. Em sua introdução aos Artigos Esmalcalde, ele apontou para as doutrinas nas quais ambas as partes opostas concordavam, e ao fazê-lo, ele fez uma conexão direta com os credos niceno e atanasiano.
Essas e outras expressões similares de Lutero e Melanchthon revelam claramente a tradição a qual elas pretendiam aderir. (pags. 48-50)

     Embora as Confissões freqüentemente apontem áreas de concordância com os pais da igreja primitiva, elas também incluem uma variedade de críticas. Sua atitude é que os pais da igreja não podem ser aceitos em bloco . Eles não eram infalíveis; como homens, eles poderiam cometer erros; suas opiniões freqüentemente revelavam uma séria falta de harmonia. Já que muitos dos pais edificados com “feno e palha” no verdadeiro fundamento, Cristo, seu trabalho não pode perdurar (Ap VII 20 f.). Nenhum pai da igreja é infalível, nem mesmo o melhor de todos, Agostinho; ele também é criticado quando expressa opiniões contrárias à Palavra de Deus. Essas e outras observações similares pressupõem mentes capazes de crítica histórica, e os reformadores tinham essa capacidade. Com relação ao sacramento da penitência e do ofício de pregação, eles descobriram um desenvolvimento óbvio, que consideravam um desvio. Eles sustentavam que a palavra “confissão” havia perdido seu sentido e significado originais. Os deveres episcopais aumentaram ao longo dos séculos e o número de sacramentos foi gradualmente fixado em sete. Lutero e Melanchthon concordaram com os humanistas Erasmo e Lorenzo Valla ao afirmar que Dionísio, o Areopagita, era um pseudônimo usado por um homem muito mais recente do que o mencionado em Atos 17:34. Eles também criticaram outros autores, dos quais se dizia erroneamente que tinham escrito livros que, de fato, não poderiam ter produzido.
    Há também um esforço óbvio de classificação para ser visto no que as Confissões dizem sobre o desenvolvimento doutrinário da igreja primitiva. Alguns dos pais são mais apreciados do que outros. Em geral, o testemunho daqueles que viveram mais próximos da época de Cristo é aceito em preferência àqueles que viveram mais tarde. O risco de erro aumentou com o passar do tempo. Os teólogos escolásticos foram criticados com particular nitidez por sua mistura de teologia e filosofia aristotélica. Ap XXI 41 diz sobre isso: “Nós mesmos ouvimos excelentes teólogos pedirem limitações à doutrina escolástica porque ela leva a disputas filosóficas em vez de à piedade. Os escolásticos anteriores estão geralmente mais próximos das Escrituras do que os mais recentes, de modo que sua teologia degenerou constantemente ”. Também é possível observar, em vários casos concretos, como os escritores confessionais jogam com os primeiros pais contra os teólogos escolásticos, incluindo: mais proeminentemente, Tomás [Aquino], Duns Scotus e Gabriel Biel. No que diz respeito às doutrinas do pecado original, da penitência e da Ceia do Senhor, as Confissões Luteranas buscam o apoio dos primeiros pais, na medida em que sua posição era diferente daquela adotada pelos escolásticos. Um número de teólogos individuais da Alta e da Idade Média também forneceu apoio para o ensino da Reforma, pelo menos em certos pontos. Entre estes, Bernardo de Clairvaux e John Gerson foram mencionados com mais frequência. (pags. 52-54)

    Melanchthon queria preservar a continuidade histórica entre a Reforma Luterana e as formas mais antigas de cristianismo, e ele também queria eliminar as irregularidades dentro da igreja. Estas foram as diretrizes básicas que ele derivou de seu estudo da história da igreja.
    De acordo com Melanchthon, a Reforma Luterana não foi uma interrupção da história da igreja, mas uma continuação. Como ele viu, a história da igreja procede de acordo com um padrão definido e é caracterizada por apostasia e reforma. A verdade divina concernente à salvação do homem é uma e a mesma desde o começo do mundo até o presente. Esta verdade tem sido sufocada e ameaçada de destruição vez após vez, apenas para ser trazida de volta à luz através de um movimento de reforma. A igreja sempre existiu, às vezes forte, às vezes enfraquecida. Durante os períodos de decadência, a verdadeira igreja vive como uma igreja minoritária.
     Nos primeiros anos da história cristã, esse padrão envolvia a revelação da verdade divina através de Jesus e dos apóstolos, os quais Melanchthon considerava reformadores. A decadência foi estabelecida após a era apostólica, que atingiu seu ponto culminante em Orígenes e provocou uma reforma por meio de Agostinho. Após o expurgo dos agostinianos, o mesmo curso de eventos se repetiu: decadência durante todo o período medieval, que provocou a Reforma Luterana. Mas durante todo o processo, caracterizado pela renovação-decadência-renovação, a verdade sempre foi preservada por uma minoria. A verdade pode ser sufocada, mas nunca pode ser completamente destruída. Melanchthon podia ver uma continuidade doutrinal dogmática que perpassa os séculos de história da igreja e os períodos de decadência, e foi a isso que a Reforma quis se unir. A Reforma não foi projetada para introduzir novidades, mas para reviver as antigas verdades que haviam sido esquecidas ou obscurecidas como resultado da decadência da igreja.
    Esta visão da história pode ser encontrada nos símbolos luteranos, e lança luz sobre as expressões positivas e negativas relativas ao desenvolvimento doutrinário da igreja. Agostinho recebe a mais alta classificação. Ele era o único pai da igreja que lecionava regularmente em Wittenberg. Ele também explica a atitude geralmente negativa que os Símbolos tomam para com a época pós-agostiniana, na qual pensava-se que o papa Gregório, o Grande, havia provocado uma tendência na direção errada. Também deixa claro por que certos teólogos medievais poderiam ser consultados sobre questões particulares: a luz nunca foi completamente apagada, e a verdade nunca totalmente obscurecida. (pags. 54-55)

    A verdade foi dada e estabelecida de uma vez por todas. Aqueles pais cujo trabalho era aceitável não haviam formulado nenhuma doutrina nova; eles restauraram as originais e as libertaram de adições irrelevantes. As Confissões procuraram retornar àqueles pais que preservaram as doutrinas puras, sem falsificação. Mas tentar uma análise tão crítica das declarações dos pais da igreja exigia o uso de uma norma mais elevada, e os luteranos a encontravam nas Escrituras. Isso faz com que a questão da relação entre Escritura e tradição seja pertinente.
    Como seria de esperar, os símbolos luteranos vêem a tradição em relação ao seu conceito de proclamação viva da igreja. A igreja tem a Palavra revelada de Deus, que também é uma Palavra viva. O que a igreja proclama não pode ser alterado; seu conteúdo deve permanecer o mesmo de geração para geração. Os símbolos colocam a maior ênfase na proclamação viva da igreja. Doutrina e pregação estão intimamente ligadas umas às outras nas Confissões - não de tal modo que a pregação deva carecer de conteúdo doutrinário e que a doutrina possa ser traduzida como Palavra pregada , mas para que a revelação e salvação de Deus possam ser ditas e ensinadas e trazidas a vida de novo em cada geração. Isto é expresso mais claramente nas palavras da absolvição e nas palavras da instituição do Batismo e da Ceia do Senhor, onde nenhum acréscimo pode ser feito; somente a voz do próprio Deus deve ser ouvida. Como resultado, a única função ou dever do clero é fazer com que a voz de Cristo seja ouvida. Em outras palavras, a igreja deve dar voz à Palavra de Cristo . Na pregação, na absolvição e na administração dos meios da graça, devemos ouvir a própria voz de Cristo (de acordo com Lucas 10:16). As Confissões opõem-se energicamente à idéia de que o clero tem autoridade para acrescentar novas palavras, seja na esfera doutrinária ou em relação à disciplina da igreja. (pag. 58)

     Um dos pontos principais da Reforma tem a ver com a identidade permanente da proclamação da igreja. A igreja tem uma e a mesma mensagem para proclamar, desde a promessa do protevangelium (em Gen. 3:15) até o tempo presente. A promessa de salvação dada a Adão foi repetida para os patriarcas e os profetas; foi renovada por Cristo e pregada pelos apóstolos como sendo válida para todos os homens em todas as eras (Ap XII 53). É neste contexto que a tradição eclesiástica legítima deve ser colocada. Os símbolos da igreja primitiva, alguns dos pais da igreja e vários teólogos posteriores estão incluídos na longa lista de testemunhas. Melanchthon - e Lutero também - estava profundamente convencido da continuidade doutrinária da igreja. As Confissões localizaram a fonte e norma da mensagem divina na Bíblia; Como resultado, a Bíblia ocupa uma posição central na teologia da Reforma. A Palavra apostólica é encontrada preservada nas Escrituras, e todas as declarações devem ser verificadas pela Escritura. Como Fraenkel apontou, a primazia da Escritura era axiomática.
    O fato de que a Escritura recebeu tal destaque não significava, entretanto, que suas palavras tivessem que ser repetidas de maneira literal. Como resultado da [má] aplicação do princípio da Escritura, havia círculos dentro da Reforma em que essa demanda não era estranha - mas nas Confissões é completamente desconhecida. O que é dito na Bíblia também pode ser encontrado em alguns dos pais da igreja primitiva e foi codificado nos antigos credos da igreja. É certamente verdade que eles às vezes usam outras palavras e diferentes modos de expressão, mas preservam o significado da Escritura. Lutero considerou o Credo dos Apóstolos como uma Palavra revelada de Deus, preservando e resumindo fielmente o Evangelho das Escrituras. Nos artigos de Esmalcalde, Lutero associava-se sem reservas com “os artigos sublimes da majestade divina”, como estes são formulados nos três credos mais antigos. Tanto Lutero quanto Melanchthon identificaram-se dessa maneira com as doutrinas da igreja primitiva porque consideravam que essas doutrinas estavam em harmonia com as Escrituras. Não houve diferença de opinião entre os dois reformadores sobre este ponto. Pelo contrário, ambos encontraram uma base segura para a doutrina e proclamação da igreja nos credos da igreja primitiva. Na medida em que os credos eram vistos como uma interpretação das Escrituras, a Bíblia tornou-se tanto a fonte quanto a norma para julgar a legítima tradição eclesiástica. Aquilo que harmonizava com as Escrituras era aceito; aquilo que não, foi descartado. De acordo com as Confissões Luteranas, a base real de toda tradição legítima nada mais é do que a exposição eclesiástica da Bíblia .
    Aquilo que pode ser aceito como genuína tradição eclesiástica deve ser capaz de ser verificado pela Escritura. A tradição não pode incluir teses sem apoio bíblico. É este princípio que deu origem ao dito: “A Palavra de Deus estabelecerá artigos de fé” (AE II II 15) e que explica a crítica rejeição de certos pontos no desenvolvimento doutrinário mais antigo. Uma das passagens bíblicas usadas com mais frequência neste contexto foi Atos 10:43, que diz que o perdão dos pecados por amor a Cristo é dado a todos os que crêem Nele. Esse profeta de consenso unânime é o mesmo que a opinião consciente da igreja, e tem mais peso do que todos os ensinamentos contrários dos teólogos posteriores. Negativamente, implica uma crítica aos indivíduos, bem como às opiniões. A distinção convencional feita na doutrina da penitência entre dois tipos de arrependimento, contritio e attritio , bem como as doutrinas de satisfação, purgatório e opus operatum , são contrárias às Escrituras. Mas esse apelo às Escrituras de modo algum inclui uma exigência para reiterar as formulações escriturísticas de maneira literal. As Confissões também usam termos que não podem ser encontrados na Bíblia, mas estão em harmonia com o seu significado. O mesmo acontece com as formulações empregadas nos antigos credos da igreja. (pags. 59-61)

     A convicção acerca da identidade do anúncio da igreja também confere à tradição uma certa importância para a exposição da Bíblia. As Escrituras, portanto, não têm uma função meramente crítica para cumprir a tradição; este último também tem um grau de importância como um guia para a igreja em sua própria exposição das Escrituras. Para apoiar o argumento de que as Confissões não introduziram nenhuma novidade, era importante poder referir-se a declarações patrísticas. Há, em outras palavras, uma linha que vai das Escrituras para a tradição posterior; mas também o contrário: começando com a tradição, pode-se também encontrar a estrada que leva de volta às Escrituras. Durante os confrontos teológicos do século XVI, os antigos credos serviram de guias para as Escrituras. Lutero e Melanchton aprovaram interpretações bíblicas que afirmavam o dogma da Trindade, enquanto aquelas que não o fizeram foram rejeitadas como erradas.
    Que Lutero deliberadamente escolheu uma linha que vai contra as tendências radicais dentro da Reforma pode ser visto em sua carta sobre o re-batismo escrita em 1528. Ele rastreou toda a heresia de volta para a negação do Segundo Artigo do Credo, que define Cristo como verdadeiro homem e verdadeiro Deus. Melanchthon também sustentou a ideia de que os credos antigos podem ser usados ​​como guias de volta às Escrituras. Mas a linha de conexão não é ininterrupta, nem mesmo nos primeiros cinco séculos da existência da igreja. Antes, a verdade deve ser encontrada em pontos isolados, elucidados por teólogos individuais, com a Escritura servindo em todos os momentos como a norma suprema. A autenticidade do que a igreja diz hoje depende de seu acordo factual com o que a igreja disse em todos os tempos, através daqueles que entenderam o verdadeiro significado da Escritura. (pags. 61-62)

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REFERÊNCIAS
  • Fraenkel, Peter. Testimonia patrum: The Function of the Patristic Argument in the Theology of Philip Melanchthon. Geneva, 1961.

  • Loewenich, Walther von. Von Augustin zu Luther: Beiträge zur Kirchengeschichte. Witten, 1959.

agosto 26, 2018


Confissão de Augsburgo, Artigo XXIII

Houve no mundo entre todos, quer de alto, quer de baixo estado, magna e poderosa queixa a respeito de grande incontinência e procedimento e vida dissolutos dos sacerdotes que não foram capazes de se manterem continentes, e, na verdade, se alcançara o auge com tais vícios terríveis. Para evitar tanto escândalo feio e grande, adultério e outra impudicícia, alguns sacerdotes entre nós entraram no estado matrimonial. Com razão indicam que a isso foram impelidos e movidos por grande aflição de suas consciências, à vista do fato de a Escritura testemunhar claramente que o estado matrimonial foi instituído pelo Senhor Deus para evitar impureza, como diz Paulo: “Por causa da impureza, cada um tenha a sua própria esposa.” Também: “É melhor casar do que viver abrasado.” E Cristo, ao dizer, em Mt 19: “Nem todos captam essa palavra”, indica, ele que bem sabia qual a situação do homem, que poucas pessoas têm o dom da castidade. “Pois Deus criou o ser humano como homem e mulher” Gênesis 1. Se está ou não no poder ou capacidade do homem melhorar ou modificar, sem especial dom e graça de Deus, por resolução ou voto próprios, a criação de Deus, a excelsa Majestade, decidiu-o muito claramente a experiência. Qual o bem, que vida honrosa e casta, que conduta cristã, honesta ou íntegra daí resultou no caso de muitos, quão terrível e pavoroso desassossego e tormento de consciência muitos tiveram no fim da vida por causa disso, é coisa manifesta, e muitos dentre eles o confessaram pessoalmente. Como, pois, a palavra e o mandamento de Deus não podem ser alterados por nenhum voto ou lei humanos, por essas e outras razões e causas os sacerdotes e outros clérigos casaram.

Também se pode provar com a história e os escritos dos Pais que na igreja cristã antiga houve o costume de os sacerdotes e diáconos casarem. Diz Paulo, em vista disso 1 Tm 3: “É necessário, portanto, que o bispo seja irrepreensível, esposo de uma só mulher”. E faz apenas quatrocentos anos que na Alemanha os sacerdotes foram compelidos à força a deixarem o matrimônio e fazerem voto de castidade¹. Todos se opuseram a isso com tamanha seriedade e rijeza, que um arcebispo de Mogúncia, o qual publicara o novo edito papal a respeito, quase foi morto no tumulto de uma revolta de todo o corpo sacerdotal. E aquela proibição logo no começo foi efetivada com tanta rapidez e impropriedade, que o papa, ao tempo, não só proibiu o matrimônio de sacerdotes para o futuro, mas ainda rompeu o casamento daqueles que havia muito já estavam nesse estado, o que não é apenas contrário a todo direito, divino, natural e civil, mas também inteiramente oposto e contrário aos cânones estabelecidos pelos próprios papas, bem como aos mais renomados concílios.

Também se tem ouvido freqüentes vezes muitas pessoas eminentes, devotas e sensatas expressarem opiniões e receios similares: que tal celibato obrigatório e privação do matrimônio, que o próprio Deus instituiu e deixou livre ao homem, nunca produziu qualquer bem, mas introduziu muitos vícios grandes e malignos e muitas maldades. Até um dos papas, Pio II, conforme mostra sua biografia, muitas vezes disse - e permitiu que lhe fossem atribuídas - estas palavras: que pode haver algumas razões por que seja o matrimônio proibido aos clérigos; mas que havia razões muito mais elevadas, muito maiores e muito mais importantes por que novamente se lhes devia deixar livre o matrimônio. Sem dúvida nenhuma, o Papa Pio, como homem ajuizado e sábio, falou essa palavra por causa de grave receio.

[...]

Por isso é muito necessário, útil e cristão fazer esse exame cuidadoso, a fim de não suceder que, proibido o casamento, se alastrem piores e mais vergonhosas impudicícias e vícios nas terras germânicas. Pois que sem dúvida ninguém será capaz de alterar ou fazer essas coisas mais sabiamente ou melhor que o próprio Deus, que instituiu o matrimônio, para socorrer a fragilidade humana e prevenir a impureza.

Assim também os antigos cânones dizem que de vez em quando se deve abrandar e relaxar a severidade e o rigor, por causa da fragilidade humana e a fim de acautelar e atalhar coisas piores.

Ora, tal sem dúvida seria cristão e mui necessário também no caso presente. E que prejuízo poderia trazer para a igreja cristã universal o matrimônio dos sacerdotes e do clero, especialmente o dos pastores e de outros que devem servir a igreja? A continuar por mais tempo essa dura proibição do matrimônio, provavelmente haverá falta de sacerdotes e pastores no futuro.

Estando, pois, fundamentado na palavra e no mandamento de Deus isso de os sacerdotes e clérigos poderem casar, e provando a história, além disso, que os sacerdotes casavam, e havendo o voto de castidade produzido número tão elevado de feios e incristãos escândalos, tanto adultério, tão horrível e inaudita imoralidade e vícios hediondos, que até alguns homens honestos de entre os cônegos, bem como alguns cortesões de Roma, muitas vezes reconheceram o fato e lastimosamente alegaram que tais vícios in clero, por horrendos e desmedidos, haveriam de suscitar a ira de Deus, é deplorável que o matrimônio cristão não só tenha sido proibido, mas que em alguns lugares se haja tido o atrevimento de castigá-lo sem demora, como se fosse grande maldade, não obstante haver Deus ordenado na Sagrada Escritura que se tenha em toda a honra o estado matrimonial. Da mesma forma é o matrimônio grandemente exaltado no direito imperial e em todas as monarquias em que houver leis e direito. Só em nosso tempo é que se começa a martirizar as pessoas, apesar de inocentes, apenas por causa de casamento, e acresce que se faz isso com sacerdotes, que deveriam ser poupados acima de outros. E isto sucede não só contrariamente ao direito divino, mas ainda em oposição aos cânones. Paulo apóstolo 1 Tm 4 chama às doutrinas que proíbem o casamento ensino de demônios. Assim o mesmo Cristo diz Jo 8 que o diabo é homicida desde o princípio. Bem concordam as duas sentenças, por forma que realmente devem ser ensinos de demônios proibir o casamento e atrever-se a manter semelhante doutrina com derramamento de sangue.

Todavia, assim como nenhuma lei humana pode abrir ou modificar o mandamento de Deus, da mesma forma também nenhum voto pode alterar o preceito divino. Essa também a razão de São Cipriano aconselhar deverem casar as mulheres que não guardam a castidade jurada, e diz epist. 11 assim: 

“Se, porém, não querem ou não podem guardar a castidade, é melhor que casem do que caírem no fogo por sua volúpia. E devem acautelar-se bem para não causarem nenhum escândalo aos irmãos e irmãs."

Ademais, todos os cânones mostram grande leniência e eqüidade para com aqueles que fizeram voto quando jovens. E foi na mocidade que a maioria dos sacerdotes e monges acabou nesse estado, por ignorância.

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Nota do blog:

[1] A Confissão de Augsburgo foi elaborada em 1530