dezembro 02, 2017

Por Jordan Cooper

De uma forma ou de outra, muitas vezes me foi feita esta pergunta: "Há um consenso protestante sobre a justificação?" Com isso, o indivíduo geralmente tenta descobrir se há uma diferença entre as tradições luterana e reformada na doutrina da justificação, propriamente dita. É certo que geralmente se reconhece que Lutero colocou esta doutrina em uma posição mais central do que em outras formas de protestantismo. No entanto, com respeito aos detalhes desta doutrina, muitos argumentam que existe uma unidade inerente tanto em sua formulação luterana como calvinista. Esta é uma tentativa de responder a esta pergunta.

Semelhanças

As áreas de acordo entre as tradições protestantes não devem ser ligeiramente descartadas, já que vários dos componentes centrais dos ensinamentos de Lutero sobre a justificação seguem sendo uma base sólida para a própria formulação da doutrina de Calvino, que logo se desenvolveu na posterior tradição reformada. No coração de seus desacordos com Roma, os protestantes compartilhavam uma concepção unificadora da justificação em dois pontos principais. Primeiro, a justificação é de natureza forense, mais que ontológica. Embora a justiça inerente seja um componente essencial da vida cristã, isso não constitui uma justificativa de Coram Deo. Em vez disso, alguém é declarado justo com base na justiça imputada de Cristo. Segundo, o meio pelo qual alguém recebe esta declaração é somente a fé, independente de qualquer obra humana. 

Nas declarações confessionais das igrejas luterana e reformada (tanto holandesas como inglesas) se enfatizam fortemente estes conceitos. Servem como o pulsar do coração da doutrina da justificação e da salvação de forma mais ampla, dentro de toda a Reforma magistral. No entanto, apesar destas semelhanças, a medida que os sistemas luteranos e reformados se desenvolveram, surgiram várias diferenças dentro de suas respectivas doutrinas.

Diferenças

Embora a noção de um dogma central pela qual todas as outras doutrinas derivem, supostamente sendo predestinação para os Reformados e justificação para os luteranos, tenha sido completamente desapontada, a doutrina da justificação certamente desempenha um papel mais fundamental no pensamento luterano do que o Reformado. Isto não significa (como as vezes se alega) que a tradição luterana ignora as outras realidades que operam na salvação, como a justiça inerente da santificação. No entanto, como se realiza está na posição precisa da justificação temporal na ordo salutis. 

Tanto as tradições reformada como a luterana colocam a justificação (subjetiva) após a regeneração e a fé na ordem lógica dos eventos envolvidos na aplicação da redenção. No entanto, a tradição reformada geralmente fala de justificação em tempo passado, como um ato que ocorre no momento da conversão para não mais se repetir, e impossível de se perder. No luterano, porém, a justificação é uma declaração que enquadra toda a extensão da vida cristã coram Deo.  É verdade que se pode falar em tempo passado em que foi justificado (Romanos 5.1), mas esse ato forense não se limita a um evento pontual. Em vez disso,o veredito da justificação de alguém é declarado e dado em diversas ocasiões. Rev. Franklin Weidner observa o seguinte com respeito aos aspectos da justificação:

(1) É instantâneo; não gradual ou sucessivo, como a iluminação ou a santificação. 
(2) É perfeito. Nossos pecados estão completamente perdoados; não quase, ou apenas metade, ou só um certo número. Eles são perdoados ou não são. 1 Jo 1.7; Rm 8.1; Jo 5.24. 
(3) Garantia. Rm 8.38,39; Ef 3.12; Hb 10.11.
(4) Se renova todos os dias; porque devemos nos arrependermos diariamente de nossos pecados e ser diariamente, continuamente justificados. 
(5) O estado de justificação pode ser perdido. Jo 15.2; Hb 6.5,6; 1 Tm 4.1. 
(6) Mas pode ser recuperado Jo 6.37; Is 1.18; Lc 15.11-32 [1]

Até onde sei, a tradição reformada não tem um precedente para falar de ser "diariamente, continuamente justificado", embora talvez tal ideia apareça em algum lugar que não encontrei. A possibilidade de uma apostasia genuina na tradição luterana também resulta na possibilidade de perder esse veredicto divino, o que é uma impossibilidade no sistema calvinista.

Este conceito de uma justificação contínua surge do próprio contexto paulino. Em Romanos 4, Paulo cita dois exemplos particulares de justificação do Antigo Testamento para provar seu ponto de vista. O primeiro é da vida de Abraão, onde Deus considera o patriarca justo, não devido as obras, mas por causa da fé (Gênesis 15.6). Se o enfoque do tempo passado fosse correto para a justificação, então isto constituiria o começo da vida de fé de Abraão em Gênesis 15. Isto se torna um problema, no entanto, quando se olha a própria narrativa de Gênesis, já que Deus primeiro dá sua promessa a Abraão em Gênesis 12.2,3. A resposta de Abraão a esta promessa é de fé (certamente a fé salvadora) recomendada em Hebreus 11.8. É difícil, creio, negar o fato de que a justificação deve ter ocorrido nos dois chamados de Abraão descritos em Gênesis 12 e 15.

O outro texto citado por Paulo em defesa da justificação pela fé,  independente das obras, é do Salmo 32.1,2 onde Davi fala da não imputação do pecado aos que creem. O Salmo é de arrependimento, já que Davi recorda um tempo de pecado e confissão, em que sua confissão resulta no perdão (Sl 32.5) que Paulo identifica como justificação. Davi não está descrevendo algum tipo de experiencia de conversão aqui, já que sua fé começou quando o rei ainda era um bebê (Sl 22.9,10). Em vez disso, a justificação é contada em todos os momentos de confissão e arrependimento. Isto não quer dizer que a justificação se perde e se recupera continuamente. É melhor pensar na justificação, não apenas como um único ato, mas como um estado em que se contra, cuja realidade é continuamente declarada e reapresentada através da Palavra e do Sacramento.

Implicações práticas.

Embora tal discussão possa parecer um mero debate teórico, penso que existem implicações significativas desta distinção nesses dois sistemas. Recentemente, tem havido bastante controvérsia no mundo reformado sobre a diferenciação de John Piper entre justificação e salvação final. Mask Jones mostrou que a tradição reformada historicamente tem falado sobre a necessidade de obras para a salvação, uma vez que a categoria "salvação" é muito mais ampla do que a justificação. As obras são uma espécie de meio ou mesmo uma causa da entrada na glória, embora seja necessário reconhecer que há muitas nuanças quanto a como esses termos são usados. Embora eu tenha expressado continuamente o meu desacordo com Jones neste ponto, creio que representa corretamente a tradição reformada.

Para a tradição luterana, as obras sempre foram eliminadas da categoria de salvação, já que a linguagem das boas obras serem "necessárias para a salvação", foram rejeitadas na Fórmula de Concórdia. Isto se deve, creio, à convicção de que a justificação abrange toda a extensão da salvação do cristão Coram Deo. Não é um mero evento passado que conduz a outras realidades, mas que é a realidade continua da relação de alguém com Deus. Sendo este o caso, não pode haver divisão entre a justificação e a salvação final em absoluto. Isto não quer dizer que só se pode falar de salvação forense (historicamente, há um ordo salutis que é muito mais amplo que uma mera justificação forense) [2] No entanto, não se pode falar de salvação sem justificação no centro.

Conclusão

Existe um consenso protestante sobre a justificação? Sim e não. Existe um consenso sobre a imputação forense e sola fide, mas quando se examina as particularidades da justificação, fica evidente que essas duas tradições diferem em pontos importantes.

Notas

[1] Leia mais em http://www.patheos.com/blogs/justandsinner/revere-franklin-weidner-on-justification/#RI2thgjZRdqtyA7c.99

[2] Na Fórmula de Concórdia, justificação e adoção são utilizados como sinônimos. O ato não é puramente legal, mas também familiar.

Publicado originalmente em http://www.patheos.com/blogs/justandsinner/protestant-consensus-justification/

Traduzido por Denício Godoy

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