A teologia do Dr.
Martinho Lutero é, antes de tudo, uma teologia que começa de cima. Ela tem em
seu cerne o mistério da encarnação do Filho de Deus no seio de uma jovem judia
do primeiro século. Este Deus encarnado, que faz um processo contrário ao da teologia da
glória (a teologia em que o homem tenta se elevar até Deus através de seus
próprios esforços e justificativas), adentra a história e redime sua criação no
tempo, é disso que se trata a teologia de Martinho Lutero. Esta é a teologia centrada naquilo que Deus faz. Em Cristo temos o
Logos, a revelação de Deus, e é por isso que o próprio reformador afirma:
“Nada se pode crer a respeito de Deus, descobrir ou saber a não ser aquilo que foi revelado a respeito dele. Aqui temos que nos ater ao que diz o ditado: Aquilo que está acima de nós não nos afeta! São totalmente diabólicas essas formas de conhecimento que veem coisas muito elevadas além e fora da revelação de Deus. De nada servem a não ser para lançar-nos na perdição, pois ocupam-se com um assunto que não pode ser investigado, a saber, o Deus oculto. Se deus oculta suas decisões e mistérios, por que então nos esforçamos tanto assim para que nos sejam revelados? Desde o início, Deus sempre se opôs a esse tipo de curiosidade. Sua vontade e decisão é esta: Deixarei de ser um Deus oculto para ser um Deus revelado, sem deixar, todavia, de ser o mesmo Deus. Vou fazer-me carne e enviar meu Filho. Esse vai morrer pelos seus pecados e ressuscitar dos mortos. E assim vou satisfazer o seu desejo que é saber se é predestinado ou não. Veja, aqui você tem meu Filho. Escute o que ele tem a dizer, olhe para ele, como está deitado na manjedoura, no colo da mãe, pendurado na cruz. Atente para o que ele faz e diz. Ali, você, certamente, me encontrará. Se você dá ouvidos à voz de Cristo, é batizado em seu nome e ama a sua palavra, então você certamente é predestinado e pode ter certeza de sua salvação”.[1]
O texto supracitado resume tudo aquilo que é a teologia cristã: a teologia centrada naquilo que Deus faz. A teologia da
glória, por outro lado, assume o livre arbítrio como verdade suprema e faz dele
um ídolo. Segundo essa vertente teológica nociva, o homem pode escolher fazer o
que está dentro de sua capacidade para cumprir aquilo que é bom. Assim, o
homem faz boas obras, capacita o seu próprio ser e se envolve em cultos
elaborados pela sua finita razão etc. Tudo isso visando exibir "sua crescente justiça" diante de
Deus. Quando os teólogos da glória se encontram diante do bem e do mal,
eles, contrariamente ao que a teologia de Gênesis 3 nos ensina, procuram suas
ações, status e glória como indicação de sua posição diante de Deus. O
teólogo da glória se veste com as folhas de figueiras da justificativa, quando
deveriam se deixar vestir com as vestes da justificação preparadas por Deus em
Cristo. Buscando auxílio na justificativa, estes fazem com que o homem pereça
em sua própria justiça. Eles desviam o homem do Cristo crucificado e
ressuscitado como fonte de perdão, vida e salvação e os leva a acreditar que podem
se elevar até as mais altas moradas por conta própria (ou pelo menos que Deus recompensará suas boas
intenções).
O teólogo da cruz, por outro lado, conforme nos ensina a teologia do Bem-aventurado Dr. Martinho Lutero, considera
o livre-arbítrio como uma ilusão, um conto de fadas, ou mesmo a astúcia da
serpente, e sabe que o homem pecador é escravo e não pode se gloriar de nada diante do Deus todo poderoso. Como filhos de Adão, nós,
seres humanos, não conseguimos cumprir as exigências de Deus. Tal Deus exige que questões
finais como a salvação, vida eterna e nosso próprio futuro permaneçam em
suas próprias mãos. Desta maneira, uma teologia centrada na obra de Deus
começa com a verdade da encarnação do Verbo e sua obra de salvação, levando em consideração
que o homem sem Deus é escravo de si mesmo, entendendo que os seres humanos são
incapazes de se curarem de sua cegueira espiritual. A teologia centrada
naquilo que Deus faz, como fica explícito no próprio termo, não pode considerar
as obras do homem (glória), mas fixa-se naquilo que, do ponto de vista
humano, é absolutamente impossível, ou seja, que Deus tenha desenvolvido toda obra de
salvação do ser humano ao assumir a carne nAquele que foi desprezado e
rejeitado, conforme o relato do evangelho em Isaías 53. A teologia
centrada naquilo que Deus faz olha para Jesus crucificado e vê nEle, não um exemplo de mártir, mas o resultado do que acontece quando o homem
pecador tenta usurpar o lugar de Deus.
Para esta teologia da Cruz, o calvário é um forte “não!” ao caminho da glória,
da luta e da justificativa como caminho para a salvação. A Teologia centrada
naquilo que Deus faz, reconhece que Jesus é uma ameaça a toda exaltação
farisaica e legalista, pois Cristo reivindica todas as coisas para si mesmo
como o caminho, a verdade e a vida. Todas as coisas foram colocadas sob os
pés de Cristo, como relata Paulo em Efésios 1.22. Se Cristo, o Deus
encarnado, detém tudo em si mesmo, isso significa que nós, pecadores, ficamos
de mãos vazias diante de Deus, de maneira que “àquele que não trabalha, mas
confia em Deus que justifica o ímpio, sua fé lhe é creditada como justiça.” (Romanos
4.5)
Enquanto a Teologia
da Glória é desenfreada em um mundo cheio de regras, a Teologia da Cruz é uma pedra
angular que muitos “sábios“ rejeitam. As últimas palavras ditas pelo Dr,
Martinho Lutero em seu leito de morte resumem tudo: "Nós somos mendigos. Essa
é a verdade.” A teologia cristã, ou seja, a teologia centrada naquilo que Deus
faz, aponta para o Calvário, para Deus crucificado entre dois ladrões. É na
criança nascida na manjedoura, no jovem aprendiz de carpinteiro, no pregador que ensinava com autoridade, no
“agitador” crucificado sob Pôncio Pilatos... nEle, em Jesus de Nazaré, está toda a nossa teologia.
Referências Bibliográficas
WHATSON, Philip S. Deixa Deus ser
Deus; Tradução Paulo F. Flor. – Canoas: Ed. ULBRA, 2005.
Biblia Sagrada. Traduzida
por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada no Brasil. Edição Revista e
Atualizada no Brasil, 3° ed. (Nova Almeida Atualizada). Barueri, SP: Sociedade
Bíblica do Brasil, 2017
Nota:
[1] LUTERO,
Martinho. O Deus oculto e o Deus revelado. Disponível em: <http://www.lutero.com.br/novo/vida_de_lutero_como_pregou2.php?id=35>.
Acesso em: 02 dez. 2017.
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