Por Nathan Buzzatto
Podemos dizer que esta quarta petição do Pai Nosso é sem dúvidas uma das passagens mais sublimes do novo testamento. Para mim, ela simplesmente resume todas as nossas necessidades para esta vida e para a eternidade de modo sublime.
Certamente que Deus tem providenciado o sustento diário para nós todos os dias, sejamos seus mais piedosos filhos ou o pior dos pecadores. Mas pedimos também por esta petição não apenas que nos seja dado, mas que possamos reconhecer isto como dádiva divina. Isto nos remete para o comissionamento dado por Cristo em sua ascensão aos céus “Ensinando-os a reconhecer todas as coisas que vos tenho mandado” (Mt 28.28-29). Nesta pequena frase aprendemos a reconhecer que nosso pão é acima de tudo, dádiva divina.
Mas seria isto somente o simples pão? De fato, não falamos apenas disto, mas de tudo o que entendemos ser pão, ou melhor definido nas palavras de Lutero:
“O que significa o pão de cada dia? Tudo o que pertence ao sustento e às necessidades da vida, como por exemplo: comida, bebida, vestes, calçados, casa, lar, campos, gado, dinheiro, bens, cônjuge fiel, filhos piedosos, empregados fiéis, superiores piedosos e fiéis, bom governo, bom tempo, paz, saúde, disciplina, honra, leais amigos, bons vizinhos e coisas semelhantes.”
Com toda razão colocamos por pão tudo o que é essencial à vida, não somente a uma mera sobrevivência, mas a uma vida alegre com amigos leais, bons vizinhos, bom governo, cônjuge fiel...
Neste momento é inevitável pensar que Lutero se adiantou alguns séculos ao pensamento de John Piper, famoso teólogo que diz que devemos viver para a maior glória de Deus, e que o glorificamos também com nossa alegria. Louvar a Deus pelos agrados que temos é viver para a glória de Deus, e reconhecer isto como o pão nosso de cada dia, é entender a oração de Jesus com um sentido muito mais sublime.
Basicamente estamos pedindo a Deus que nos ensine a reconhecer todas as coisas com ação de Graças a cada dia. E que preciosa lição é esta! Somos tão miseravelmente falhos que podemos tomar os mais grandiosos dons de Deus como algo comum e sem valor, simplesmente por termos todos os dias.
O povo que saiu do Egito caiu neste erro! Eles viam colunas de fogo todas as noites, caminhavam no deserto escaldante sempre à sombra de uma nuvem com roupas que nunca se desgastavam, comiam do pão que descia do céu em uma infinita variedade de receitas que deviam ter inventado todo este tempo, mas ainda assim... se acostumaram e passaram a reclamar ao invés de reconhecer o sustento vindo de Deus.
Somos ainda aqueles adolescentes mimados que mesmo recebendo uma mesada todo mês sem ter feito nada para merecer, ainda reclamamos que não temos o suficiente.
Pedirmos a Deus “O pão nosso de cada dia dai-nos hoje” é uma lição de contentamento!.
Mas talvez possamos nos dobrar a outro sentido para este pão. Na verdade, é neste outro sentido que está a verdadeira maravilha do texto.
Ao nos lembrarmos que os Evangelhos de Marcos e Lucas, onde encontramos a oração do Pai Nosso transcrita, foram escritos, não em nossa língua, mas em grego, temos uma palavra incomum “Ton arton ton imeron epiousion dos imin simeron” Assim aparece o texto. O problema é esta palavra de difícil interpretação “epiousion”. Trata-se do que linguisticamente chamamos de “hápax legomenon”, ou seja, um termo que não se repete no mesmo contexto, ou no caso, esta palavra não aparece em nenhum outro lugar de qualquer texto escrito em grego antigo. Isto é importante, pois usar uma palavra tão incomum já aponta para o fato de que estes homens estavam tentando traduzir em palavras algo que superava tudo o que eles poderiam explicar.
Sabemos que esta palavra tão incomum ocupa na frase a posição de um adjetivo, ou seja, é uma qualidade para “arton” (pão). Entretanto, este adjetivo é antecedido por um artigo, “ton”, então, se comporta como um substantivo, um nome.
Com esta dificuldade, esta palavra foi simplesmente traduzida como o pão diário, ou o pão de cada dia. Entretanto, em nenhum outro lugar esta palavra foi usada, em todos os demais textos do Novo Testamento, sempre que algo era dito nesta frequência, a palavra diária usa outro termo “himeran”, termo bem comum no grego.
Então, se já havia uma palavra comum para “pão diário” porque precisaram usar uma palavra nunca antes usada e que nunca mais foi encontrada?
Podemos então voltar até as primeiras gerações de cristãos, que certamente teriam maiores condições de entender esta linguagem, e encontramos São Jerônimo no ano 382 da era cristã com a difícil missão de traduzir esta passagem para o Latim. Jerônimo, atualizando o latim antigo para uma versão mais condizente com sua época, buscou no grego o significado original, transpassando-o para o latim corrente em sua época. Vendo este dilema ele traduziu então de duas formas esta palavra, em Mateus 6.11, Jerônimo fez uma análise morfológica, buscando a raiz da palavra e assim a traduziu como “supersubstantialem”, apontando para uma substância sobrenatural, e no texto de Lucas, a mesma palavra foi traduzido por “quotidiamum”, simplesmente dizendo ser um pão diário.
Sem dúvidas há muitas formas de entendermos o “pão nosso de cada dia”, mas esta é uma delas: “Epi-Ousion”, uma super substância, um pão que não é nada parecido com os demais. O mais próximo em nossa língua seria “o pão nosso sobrenatural dá-nos hoje” De fato, os Santos Pais entendiam que esta petição era na verdade uma prece eucarística:
Vale lembrar, este termo é de difícil tradução e o entendimento como sendo apenas uma alusão ao pão quotidiano é perfeitamente cabível. Tanto que assim foi mantido na tradução de Jerônimo, e mesmo nas missas celebradas em latim do antigo rito, ainda o texto usado é o de Lucas onde a palavra utilizada é esta “quotidianum”.
Podemos sim ver “epiousion” como uma recordação do Maná no deserto, como vemos em Êxodo 16.4, o pão suficiente para o dia, como de fato podemos ler em algumas versões. Ainda assim, encontramos suporte para entendermos este pedido pelo “pão sobrenatural” em Agostinho, Cirilo de Jerusalém, Cipriano de Cartago e São João Cassiano (embora contraditado por Orígenes).
Tomado neste sentido, o pão sobrenatural nos aponta para o Pão da Vida, o próprio Cristo, “dá-nos hoje” neste caso, aponta para o Dia do Senhor, a celebração da instauração do reino de Deus, este grande dia que sua igreja aqui na terra aguarda e que provamos um pouco quando tomamos parte na mesa do Senhor com os irmãos na fé a cada comunhão na Santa Ceia. Faz então completo sentido primeiro pedirmos “venha o teu reino”, e depois continuarmos, pedindo o pão sobrenatural de Deus.
Assim desde as primeiras gerações de cristãos entenderam, o pão nosso de cada dia é o pão necessário para a existência, este é o pão da comunhão, este é Cristo! O fato dos autores dos Evangelhos precisarem criar uma nova palavra para explicar isto nos aponta para o fato de estarem tentando explicar alguma coisa realmente nova, que nunca antes alguém tinha presenciado para que esta palavra já existisse.
Inicialmente Lutero também na sua tradução para o alemão tinha mantido a palavra “supersubstancial” conforme os textos apontam, em 1528 alterou a palavra para “täglich”, ou “diário” como encontramos até hoje. O motivo não foi ter discordado de se tratar de uma petição eucarística, mas na verdade por conta de uma corrente em sua época que via nesta petição a menção apenas do pão usando assim este texto para justificar a divisão do sacramento, servindo-se apenas o pão. A explicação de que não se deveria proceder assim foi inclusa até mesmo na Confissão de Augsburgo.
Temos então um pedido escatológico: pedimos a antecipação do mundo porvir!
Não seria uma contradição Jesus nos ensinar a pedir pão todos os dias e logo depois, em Mateus 6.31 dizer para não nos preocuparmos com mantimento que Deus cuidaria de nossas necessidades?
Muitas são as interpretações desta passagem difícil, e com isso, as possibilidades de se traduzir o texto. Mas como esta passagem nos leva a pensar, com um simples pedido dizemos:
Mas talvez possamos nos dobrar a outro sentido para este pão. Na verdade, é neste outro sentido que está a verdadeira maravilha do texto.
Ao nos lembrarmos que os Evangelhos de Marcos e Lucas, onde encontramos a oração do Pai Nosso transcrita, foram escritos, não em nossa língua, mas em grego, temos uma palavra incomum “Ton arton ton imeron epiousion dos imin simeron” Assim aparece o texto. O problema é esta palavra de difícil interpretação “epiousion”. Trata-se do que linguisticamente chamamos de “hápax legomenon”, ou seja, um termo que não se repete no mesmo contexto, ou no caso, esta palavra não aparece em nenhum outro lugar de qualquer texto escrito em grego antigo. Isto é importante, pois usar uma palavra tão incomum já aponta para o fato de que estes homens estavam tentando traduzir em palavras algo que superava tudo o que eles poderiam explicar.
Sabemos que esta palavra tão incomum ocupa na frase a posição de um adjetivo, ou seja, é uma qualidade para “arton” (pão). Entretanto, este adjetivo é antecedido por um artigo, “ton”, então, se comporta como um substantivo, um nome.
Com esta dificuldade, esta palavra foi simplesmente traduzida como o pão diário, ou o pão de cada dia. Entretanto, em nenhum outro lugar esta palavra foi usada, em todos os demais textos do Novo Testamento, sempre que algo era dito nesta frequência, a palavra diária usa outro termo “himeran”, termo bem comum no grego.
Então, se já havia uma palavra comum para “pão diário” porque precisaram usar uma palavra nunca antes usada e que nunca mais foi encontrada?
Podemos então voltar até as primeiras gerações de cristãos, que certamente teriam maiores condições de entender esta linguagem, e encontramos São Jerônimo no ano 382 da era cristã com a difícil missão de traduzir esta passagem para o Latim. Jerônimo, atualizando o latim antigo para uma versão mais condizente com sua época, buscou no grego o significado original, transpassando-o para o latim corrente em sua época. Vendo este dilema ele traduziu então de duas formas esta palavra, em Mateus 6.11, Jerônimo fez uma análise morfológica, buscando a raiz da palavra e assim a traduziu como “supersubstantialem”, apontando para uma substância sobrenatural, e no texto de Lucas, a mesma palavra foi traduzido por “quotidiamum”, simplesmente dizendo ser um pão diário.
Sem dúvidas há muitas formas de entendermos o “pão nosso de cada dia”, mas esta é uma delas: “Epi-Ousion”, uma super substância, um pão que não é nada parecido com os demais. O mais próximo em nossa língua seria “o pão nosso sobrenatural dá-nos hoje” De fato, os Santos Pais entendiam que esta petição era na verdade uma prece eucarística:
“O sacramento dos fiéis, necessário agora, não, porém, para a felicidade deste tempo, mas para alcançarmos a felicidade eterna.” (Santo Agostinho)
Vale lembrar, este termo é de difícil tradução e o entendimento como sendo apenas uma alusão ao pão quotidiano é perfeitamente cabível. Tanto que assim foi mantido na tradução de Jerônimo, e mesmo nas missas celebradas em latim do antigo rito, ainda o texto usado é o de Lucas onde a palavra utilizada é esta “quotidianum”.
Podemos sim ver “epiousion” como uma recordação do Maná no deserto, como vemos em Êxodo 16.4, o pão suficiente para o dia, como de fato podemos ler em algumas versões. Ainda assim, encontramos suporte para entendermos este pedido pelo “pão sobrenatural” em Agostinho, Cirilo de Jerusalém, Cipriano de Cartago e São João Cassiano (embora contraditado por Orígenes).
Tomado neste sentido, o pão sobrenatural nos aponta para o Pão da Vida, o próprio Cristo, “dá-nos hoje” neste caso, aponta para o Dia do Senhor, a celebração da instauração do reino de Deus, este grande dia que sua igreja aqui na terra aguarda e que provamos um pouco quando tomamos parte na mesa do Senhor com os irmãos na fé a cada comunhão na Santa Ceia. Faz então completo sentido primeiro pedirmos “venha o teu reino”, e depois continuarmos, pedindo o pão sobrenatural de Deus.
Assim desde as primeiras gerações de cristãos entenderam, o pão nosso de cada dia é o pão necessário para a existência, este é o pão da comunhão, este é Cristo! O fato dos autores dos Evangelhos precisarem criar uma nova palavra para explicar isto nos aponta para o fato de estarem tentando explicar alguma coisa realmente nova, que nunca antes alguém tinha presenciado para que esta palavra já existisse.
Inicialmente Lutero também na sua tradução para o alemão tinha mantido a palavra “supersubstancial” conforme os textos apontam, em 1528 alterou a palavra para “täglich”, ou “diário” como encontramos até hoje. O motivo não foi ter discordado de se tratar de uma petição eucarística, mas na verdade por conta de uma corrente em sua época que via nesta petição a menção apenas do pão usando assim este texto para justificar a divisão do sacramento, servindo-se apenas o pão. A explicação de que não se deveria proceder assim foi inclusa até mesmo na Confissão de Augsburgo.
Temos então um pedido escatológico: pedimos a antecipação do mundo porvir!
Não seria uma contradição Jesus nos ensinar a pedir pão todos os dias e logo depois, em Mateus 6.31 dizer para não nos preocuparmos com mantimento que Deus cuidaria de nossas necessidades?
Muitas são as interpretações desta passagem difícil, e com isso, as possibilidades de se traduzir o texto. Mas como esta passagem nos leva a pensar, com um simples pedido dizemos:
O mantimento nosso de cada dia nos dai hoje
As alegrias nossas de cada dia nos dai hoje
Nos dê o suficiente para nosso dia
As alegrias nossas de cada dia nos dai hoje
Nos dê o suficiente para nosso dia
Nos dê Cristo todos os dias!
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