Um equívoco comum é a ideia de que a Igreja Luterana não existia até o ano de 1500. Um historiador pode ver dessa maneira, pelo menos de uma perspectiva estritamente cronológica. Mas não é assim que os reformadores luteranos viam. A Reforma Luterana não varreu seus predecessores para a lata de lixo da história. Eles retornaram à doutrina pura que a Igreja ensinou desde o tempo de Cristo até o seu tempo. Primeiro, foram às próprias Escrituras, extraindo seus ensinamentos de Jesus Cristo e seus apóstolos. Segundo, os luteranos também encontraram essa doutrina verdadeira e salvadora nos escritos dos pais da Igreja Primitiva, aqueles homens que tinham estudado as Escrituras e transmitido a fé nas formulações clássicas da teologia cristã. A Igreja Luterana não começou no ano de 1500.
No Livro de Concórdia, os pais da Igreja Primitiva são referenciados e citados em cada documento confessional (exceto o Catecismo Menor). Aqui estão todos os mencionados:
Segundo século: Justino Mártir, Irineu e Tertuliano
Terceiro, Quarto e Quinto séculos: Orígenes, Cipriano, Antônio do Egito, Atanásio, Basílio de Cesareia, Gregório de Nazianzo, Gregório de Nissa, João Crisóstomo, Cirilo de Alexandria, Hilário de Poitiers, Jerônimo, Ambrósio, Agostinho e Leão.
Sexto, Sétimo e Oitavo: Gregório I, Beda e João de Damasco.
Estes homens ensinaram e escreveram em todo o Império Romano: da Judeia à Inglaterra; do norte da África para a Itália e Ásia Menor. Eles são os principais mestres de toda Igreja ao longo dos oito primeiros séculos da história cristã, e os luteranos afirmam que eles são seus pais na fé.
Uma das principais razões pelas quais uma criança se volta para o pai é encontrar ajuda e orientação. Quando os luteranos citaram um pai da igreja, eles não estavam meramente conectados com o passado. Eles estavam em uma luta sobre a doutrina pura. Então, quando extraíram seus ensinamentos das Escrituras, eles também se voltaram para seus pais em busca de ajuda nos argumentos com a Igreja Romana e protestantes radicais.
Os luteranos citaram os pais da Igreja primitiva contra os novos (falsos) mestres da Igreja Romana, visando mostrar que os luteranos estão alinhados com os credos e mestres históricos. Eles não estão mudando nada, mas expurgando as falsas ideias que se infiltraram na Igreja. Por exemplo, no artigo principal da justificação, Ambrósio diz:
"Ninguém se glorie de obras, já que ninguém é justificado pelo que faz. Porém, aquele que é justo, o é por dádiva, visto haver sido justificado desde o lavacro. É, pois, a fé que liberta pelo sangue de Cristo." (Apologia IV, 103)
Também aprovam o dito de Agostinho:
"Cumprem-se todos os mandamentos de Deus quando é perdoado tudo o que não se faz." (Apologia IV, 172)
Os luteranos também abordaram o abuso de negar o sangue de Cristo aos leigos na Ceia do Senhor. Além da instituição de Cristo, eles também encontraram o apoio de Justino Mártir, Cipriano e Jerônimo. Outro argumento importante dizia respeito à autoridade do Papa e do Ofício do Ministério. Ao contrário das pretensões papais de superioridade, muitos dos antigos pais se posicionaram do lado dos luteranos, incluindo Jerônimo, que afirmou que os bispos são iguais no ofício. (Artigos de Esmalcalde, Parte II, IV, 9). João Crisóstomo, ao comentar sobre Mateus 16, disse:
"'Sobre esta pedra', diz ele, e 'não sobre Pedro'. Pois edificou sua igreja não sobre o homem, mas sobre a fé de Pedro. Mas qual foi a fé? 'Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo'" (Tratado 28)
Além disso:
"A maioria dos santos Pais, como Orígenes, Ambrósio, Cipriano, Hilário, Beda, interpretaram a sentença 'sobre esta pedra' desse modo, não como referência à pessoa ou à superioridade de Pedro." (Tratado 26-27)
Por outro lado, os luteranos também citaram os antigos pais contra a ala mais radical da Reforma Protestante (anabatistas, zwinglianos, calvinistas, etc.). Eles estavam preocupados em mostrar que esses reformadores radicais foram longe demais ao rejeitar o que os precederam, inclusive se afastando da única fé católica verdadeira. Isso foi especialmente certo com relação à Ceia do Senhor e à Pessoa de Cristo. Enquanto muitos dos reformadores radicais reduziram a Ceia do Senhor a uma refeição memorável, os luteranos chegaram a um acordo com mestes como João Crisóstomo:
"'O próprio Cristo prepara e abençoa esta mesa. Pois homem nenhum faz do pão e do vinho postos diante de nós corpo e sangue de Cristo, senão o mesmo Cristo que foi crucificado para nós. As palavras são proferidas pela boca do sacerdote, mas os elementos postos diante de nós na ceia são consagrados pelo poder e pela graça de Deus, pela palavra que ele diz: Isto é o meu corpo." (Fórmula de Concórdia, Declaração Sólida, VII, 76)
Tanto na Apologia como na Fórmula de Concórdia "reproduz o testemunho de Cirilo [de Alexandria] de que Cristo também habita em nós corporalmente na Santa Ceia pela comunicação de Sua carne." (Fórmula de Concórdia, Declaração Sólida VII: 11, cf. Apologia X. 56)
É claro que os pais da Igreja primitiva não foram infalíveis. Os luteranos não os citam como autoridades finais, nem subscrevem cada escritura produzida por estes antigos mestres. Eles não tinham medo de apontar onde os pais estavam errados. Por exemplo, as declarações sobre o livre-arbítrio de Crisóstomo e Basílio foram rejeitadas porque "elas não estão em harmonia com a forma da sã doutrina." (Fórmula de Concórdia, Declaração Sólida II. 86) No Catecismo Maior, Lutero repreendeu a ideia de Jerônimo de que o arrependimento é a tabua que você usa para nadar quando o barco do seu Batismo é destruído pelo pecado. "A barca do Batismo não se rompe", diz Lutero, "visto ser ordenação de Deus, não coisa nossa." (Catecismo Maior, Parte 4, 81-82). Às vezes os pais precisam ser corrigidos. Ainda assim, os luteranos sempre os abordaram como pais respeitados e tentam colocar a melhor construção em suas palavras e ações. Um bom exemplo é como eles defendem Antonio e os primeiros líderes monásticos (Apologia IV, 211). Eles tentaram defender as boas intenções dos pais e não permitiram que erros fossem usados como argumentos para a falsa doutrina.
Citando os Padres da Igreja primitiva não implica que o ensino cristão é baseado na autoridade dos homens (Catálogo de Testemunhos, Conclusão). Os luteranos afirmam que as Escrituras são "a única norma verídica, de acordo com a qual devem ser julgados todos os mestres e doutrinas" (Fórmula de Concórdia, Da Suma, 3)
Mas aqueles professores e doutrinas que são julgados verdadeiros também devem ser apreciados e usados. A fé cristã não se originou conosco. A fé cristã é transmitida de uma geração de santos para a próxima, uma vez que cada geração adere às Escrituras. Há tanta coisa que podemos aprender com os fiéis mestres da antiga Igreja, já que somos parte da mesma Igreja Católica. Eles não devem ser estranhos para nós. Se somos verdadeiramente luteranos, então eles são verdadeiramente nossos pais.
Nota:
[1] O Rev. Anthony Dodgers é pastor da Immanuel Lutheran Churchl, Charlotte, Iowa.
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- Fonte: https://lutheranreformation.org
- Tradução: Denício Márcio Godoy







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