dezembro 23, 2017


Batismo e Santa Ceia, sacramentos instituídos por Cristo, nos foram dados para fundamento da fé ao lado do Evangelho. A mesma graça e perdão oferecidos e transmitidos pela Palavra de Deus, também se nos oferecem e transmitem por eles. (At 2.38): "Arrependam-se e cada um de vocês seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos seus pecados". (Mt 26.28; Lc 22.19ss): "Isto é o meu sangue, o sangue da aliança, derramado em favor de muitos, para remissão de pecados." Nesse gracioso oferecimento de perdão, selado por Cristo nos sacramentos, firma-se a fé cristã, do mesmo modo e num mesmo grau como ocorre no oferecimento de perdão de nosso Senhor na Palavra. Por essa razão é que as doutrinas do Santo Batismo e da Santa Comunhão são fundamentais; são o fundamento da fé cristã. 

Não obstante, pode uma pessoa ignorar essas doutrinas, ou mesmo errar com respeito a elas e, contudo, salvar-se contando que se prenda à promessa de perdão oferecida no Evangelho. A razão disso é manifesta. O inteiro perdão que Cristo para os pecadores por sua morte na cruz, é oferecido e transmitido ao crente no Evangelho. Se ele confia na promessa do Evangelho, pela fé está na posse de todos os merecimentos de Cristo, juntamente com a vida espiritual e a salvação eterna. Isso não quer dizer que a promessa sacramental seja supérflua. A Igreja Cristã jamais poderá prescindir dos sacramentos, visto que transmitem as bênçãos espirituais do Salvador de modo particularmente íntimo e confortante.  Os sacramentos são a Palavra Visível (Verbum Visibile) e a aplicação individual da graça divina (aplicatio individualis). Todavia, o crente que confia na promessa divina de perdão oferecida no evangelho a todos os seres humanos, já está na posse da salvação. Os sacramentos nada de novo oferecem; apenas selam e confirmam a mesma graça e absolvição que o Evangelho anuncia, dá e confere. Nesse sentido os sacramentos não são absolutamente necessários. 

Por essa razão chamamos as doutrinas do Santo Batismo e da Santa Comunhão doutrinas fundamentais secundárias. Não devemos repudiar essa distinção, porque nos indica a linha divisória entre cristãos e não-cristãos. Dessa maneira, os filhos de Deus nas igrejas reformadas erram quanto à essência e finalidade dos sacramentos. Devemos considerar esse erro tão perigoso quanto pernicioso. Ainda assim, confiam na graça que lhes é oferecida no Evangelho. Enquanto fizerem assim, não lhes podemos negar a fé salvadora.  Em outras palavras, ainda devemos considerá-los cristãos, se bem que cristãos fracos e em erro, e que põem em perigo seu estado de graça pela não-aceitação da Palavra total de Cristo. O que se acabou de dizer dos filhos de Deus nas igrejas reformadas, cabe também aos crentes em outras denominações religiosas e na Igreja Católica Romana.  Enquanto o crente confia na graça de Cristo oferecida na Palavra, como fez o ladrão na cruz, ele está salvo, mesmo que nunca haja auferido as bênçãos dos sacramentos. Hollaz está perfeitamente com a razão, quando diz acerca dos artigos fundamentais secundários em si: 

A simples falta de conhecimento deles (dos sacramentos) não impede a salvação, mas a sua obstinada negação e hostilização subverte o fundamento da fé. (Doctr. Theol., p.98ss)

Nas suas observações sobre doutrinas fundamentais secundárias, Hollaz chama a nossa atenção para uma verdade importantíssima. Jamais se deve abusar da distinção entre doutrinas fundamentais primárias e secundárias com o objetivo de tolerar doutrina errônea. A obstinada negação e hostilização pública das doutrinas fundamentais secundárias - o mesmo acontece com respeito a todas as doutrinas das Sagradas Escrituras - acabam necessariamente por subverter  o fundamento da fé, por implicarem resistência oferecida ao Espírito Santo. Urge que se faça lembrar isso continuamente a todos os que persistem nesse erro, ainda que não lhes possamos negar o estado de graça.

[...] Ao mesmo tempo em que admitimos uma "feliz inconsequência", devemos lembrar que existe uma "infeliz consequência", mediante a qual os teólogos, que ofendem num ponto são induzidos a desviar-se em muitos pontos e, até mesmo, em todos. Em outras palavras, a proclamação de um erro conduz à publicação de outros e, no final, à negação de toda a verdade escriturística.

Dessa consequência fatal advinda de negar-se a Palavra de Deus e condescender no erro, Lutero adverte seriamente todos os teólogos cristãos, quando escreve:

Não deves dizer: Proponho-me errar como cristão. O errar de cristão ocorre somente por ignorância. (S. L. XIX, 1132)

Lutero admite a existência de semelhante anomalia: "o errar de cristão". Isso quer dizer que mesmo o verdadeiro cristão erra de quando em quando em consequência de fraqueza ou ignorância.  Esse "errar de cristão", entretanto, transforma-se em "errar de não-cristão" tão logo a pessoa consinta no erro deliberada e conscientemente. Tal "errar de não-cristão" subverterá necessariamente o fundamento da fé e porá em perigo a salvação.

Que o teólogo cristão esteja, portanto, de sobreaviso. O indiferentismo para com as doutrinas da Escritura Sagrada e o unionismo espiritual dele decorrentes são diametralmente opostos à Palavra de Deus, que declara: "Evite a pessoa que provoca divisões, depois de admoestá-la uma ou duas vezes, pois você sabe que tal pessoa está pervertida, vive pecando e por si mesma está condenada." (Tt 3.10,11) A Bíblia nunca justifica o ensino do erro, mas o condena sempre e com a maior veemência como escândalo.

Fonte:

Adaptado da 4° edição da Dogmática Cristã, de John Theodore Mueller, publicada pelas Editoras Concórdia e ULBRA.

0 comentários:

Postar um comentário

Atenção: Os comentários devem ser respeitosos e relacionados estritamente ao assunto do post. Toda polêmica será prontamente banida. Todos os comentários são de inteira responsabilidade de seus autores e não representam, de maneira alguma, a posição do autor do blog. Reservo-me o direito de excluir qualquer comentário que julgar inoportuno.