janeiro 01, 2018


Por Diac. Betsy Karkan

Provavelmente isto não é o que você pensa. Em seus escritos devocionais sobre o Magnificat, Lutero meticulosamente resume como devemos e como não devemos honrar esta “Muito Bendita Virgem Mãe”. Lutero não quer dar a ela falsos atributos ou devoção idólatra, nem depreciar “o motivo pelo qual ela é uma pessoa singular dentre todo o gênero humano” como a Mãe de Deus. As Confissões Luteranas (Artigo XXI da Confissão de Augsburgo e Apologia) ajudam Lutero a dar um esboço tríplice de como os cristãos podem apropriadamente honrar Maria e todos os outros santos. Além disso, a forma como os cristãos falam sobre ela reflete o que a Igreja crê sobre a natureza de Cristo e sua ordem com respeito a sua criação.

Para aqueles que acreditam que Maria tornou-se merecedora desta honra por seu próprio mérito ou dignidade, Lutero aponta para as próprias palavras dela em relação a sua humildade e a obra de Deus Pai nela como sua serva. Lutero afirma que ela não é escolhida porque é “mais rica, bela, jovem e culta, gozando da mais honrosa reputação aos olhos de todo o país. Entre os vizinhos e suas filhas ela foi uma moça comum... sem dúvida, em nada diferente como o faz uma pobre doméstica de hoje” [1]. Ela é chamada de bendita não por causa de seu próprio mérito ou dignidade, mas porque Deus lhe concedeu essa dádiva, fazendo esta poderosa obra dentro dela. Lutero afirma: “Ela não diz que irão falar muito bem dela, elogiar sua virtude, exaltar sua virgindade ou humildade ou, quem sabe, entoar um hino para exaltar seu feito. Pelo contrário, falarão somente do fato de Deus ter posto os olhos nela, e se dirá que ela é bem-aventurada por causa disso. Com isso não se louva a ela, mas a graça de Deus para com ela” [2]. Ainda que ele admita que o título “Rainha dos Céus” e “isso está certo”, Lutero adverte o leitor a não cometer exagero [3]. Ele adverte contra aqueles que tornaram um costume diminuir a sua nulidade e humildade, elevando-a uma posição como a de uma deusa, que possuiria atributos divinos iguais a Cristo e digna dessa posição por si própria, menosprezando assim a graça de Deus. Nessa posição exaltada, ela se torna para muitos uma co-redemptrix a quem as pessoas “clamam mais do que a Deus” [4]. Melanchthon concorda: “Ainda que é digníssima das honras mais excelsas, ela não quer, todavia, que a igualemos a Cristo. Quer antes que consideremos e sigamos os exemplos dela” [5].


Em resposta, muitos protestantes vão para o extremo oposto e jogam fora o proverbial bebê com a água do banho, recusando-se a dar qualquer honra a Maria porque isto pode ser visto como idolatria. Isto é um pouco equivocado e parece mais frequentemente motivado pela autojustiça do que um verdadeiro conflito com as Escrituras, com as Confissões e até mesmo com os Pais e Mães da Igreja. Isso levou a uma prática imprópria e preocupante entre muitos protestantes e luteranos, não só em relação a Maria e aos santos, mas também em outras áreas da prática cristã. Se alguma coisa simplesmente parece ou soa “muito católico” na devoção pessoal ou no culto corporativo, então isto é descartado como se nós não possuíssemos as mesmas dádivas que Cristo concedeu a Sua Igreja. Ao invés de aproveitar a riqueza que essas coisas têm contribuído para o culto e a vida devocional dos cristãos por milênios, muitos optam por nada, guiados pelo seu próprio sentimento de piedade.

Lutero, no entanto, não tem receio de dar a Maria toda a honra que ela merece. Com entusiasmo, ele a chama de ”muito bendita Mãe de Deus, bem-aventurada Virgem Maria, Mãe de Cristo” e sim, até “Rainha dos Céus” [6]. Ele também se maravilha com a sua fé e a humildade, perguntando: “Não percebes quanto é maravilhoso esse coração?” [7] Que ela é uma pessoa singular como a Mãe de Deus, Lutero escreve: “Ninguém pode dizer coisa mais sublime dela e a ela, ainda que tivesse tantas línguas como existem folhas e ervas, estrelas no céu e areia no mar” [8]. 


Como bom professor, Lutero não usa esses títulos para dar a ela honra sem motivo. Ele sabe que há algo de grande valor a ser aprendido com eles. Como o Artigo XXI da Apologia declara, ao honrar os santos, os cristãos são “ensinados a dar graças a Deus, a estarem fortalecidos na fé e encorajados a imitar a fé e as virtudes deles” [9]. A maneira como falamos de Maria e da obra de Deus nela também é uma confissão do que nós cremos sobre Cristo e sua obra em nós. Ao dizer que Maria é Mãe de Deus, os cristãos confessam que Cristo é Deus e Homem, duas naturezas unidas em uma pessoa. Em Maria, vemos que Deus escolheu se colocar dentro do seu ventre e somos lembrados de que Ele também escolheu se colocar dentro de nós através de sua Palavra e Sacramentos. Além disso, na nulidade e humildade de Maria, vemos a graça do Senhor e a mão de misericórdia para conosco vis pecadores, como diz São Paulo: “Deus escolheu as coisas loucas do mundo para envergonhar os sábios e escolheu as coisas fracas do mundo para envergonhar as fortes” [10]. Os cristãos são encorajados de tal maneira, mesmo em nosso estado pobre, desprezado e humilde, que Deus escolheu colocar sua graça e favor sobre nós, semelhante a Maria, ao operar os seus poderosos atos em nós.

- Diaconisa Betsy Karkan serve na Concordia Univeristy-Chicago, EUA.


[1] Lutero, O Magnificat

[2] Ibid

[3] Ibid

[4] Ibid

[5] Apologia, Artigo XXI:27

[6] Lutero, O Magnificat
[7] Ibid

[8] Ibid

[9] Apologia, Artigo XXI:4

[10] 1 Coríntios 1.27


Artigo publicado originalmente em inglês no portal LutheranReformation.Org

Publicado primeiramente por: Teologia e Liturgia Luterana

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